domingo, 31 de dezembro de 2017

Que tudo se realize no ano que vai nascer.

Então 2017 está chegando ao fim. O ano chegou e passou e eu mal senti. Na verdade, às vezes tenho a sensação de que eu continuo presa ao dia 15 de novembro de 2016, esperando que esse dia enfim acabe. Enquanto isso, o tempo vai passando por nós sem que possamos controlá-lo, uma verdade muito anterior ao acidente e que se mostra ainda mais fulminante agora. Mas, apesar dos pesares, não queria que o ano terminasse sem que eu deixasse registrado aqui o quanto esse final de ano está sendo especial. Apenas de poder estar em casa com toda a minha família, já é muito mais do que eu poderia querer. Me pego pensando a cada momento que nessa altura do ano passado nós estávamos no hospital, esperando que o pequeno acordasse e tentando imaginar como as coisas seriam dali para frente. Por mais criativos e imaginativos que fossemos, jamais poderíamos ter imaginado o que nos aguardava em 2017...
Esses dias fui com os pequenos ao cinema assistir a um dos filmes mais lindos que já vi sobre o Natal. "A estrela de Belém", conta a história do nascimento de Jesus do ponto de vista do burrinho que carregou a Sagrada Família de Nazaré até a humilde manjedoura que recebeu Nosso Senhor. No meio de todas as dificuldades sofridas no trajeto, Maria disse algo que desde então não saiu da minha cabeça: "Não é porque Deus tem um plano, que significa que será fácil". E não foi nada fácil para eles. Nada na vida da Sagrada Família, de Nossa Senhora, São José e do próprio Cristo, foi fácil. Se não foi para eles, por que deveria ser fácil para mim? "O discípulo não está acima do seu mestre, nem o servo acima do seu senhor" (Mateus 10:24) A promessa de Jesus para nós não foi uma vida de facilidades, muito pelo contrário. Mas ele prometeu aliviar nosso fardo, nos consolar. Prometeu a misericórdia divina, a justiça e o Reino dos Céus. Como continuar preocupada com facilidades diante de tão gloriosas promessas?
2017 não foi um ano fácil. Foi um ano de altos e baixos. O ano da gastro e suas infinitas complicações. Mas foi ano em que, após nossa incessante busca, conseguimos encontrar o melhor que existe ao nosso alcance para o nosso pequeno e sua recuperação. O ano em que descobrimos quão grande nosso Deus é e quão generosas e compassivas as pessoas podem ser. 2017 foi tempo de plantar, semear e acreditar que mesmo as menores sementes podem se tornar frondosas árvores. E como os primeiros brotos já começaram a aparecer eu termino este ano desejando que 2018 seja o tempo da colheita, dos frutos, da abundância. Feliz e abençoado ano novo para todos nós! 

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

D de Deus.

15.11.2017. Confesso que passei um certo tempo temendo a proximidade do dia de hoje. Não sabia como eu iria me sentir, se as memórias do acidente iriam voltar com tudo e me derrubar... Então, eu me dei conta que havia duas maneiras de encarar esse momento: eu poderia passar o dia de hoje revivendo as dores, as angústias, chorando num canto e lamentando o último ano inteiro. Ou eu poderia escolher olhar para o dia 15.11.2016 como o dia em que eu testemunhei o milagre da vida. O dia em que estive mais próxima de Deus. O dia em que eu tive a mais absoluta certeza não só da Sua existência, mas de que Ele estava ouvindo cada uma das minhas preces. Mais do que isso, que Ele estava carinhosamente atendendo a cada uma delas.
Eu poderia passar o dia de hoje relembrando cada uma das dificuldades vividas de lá para cá. Mas eu poderia escolher relembrar cada um dos milagres: o fato de termos conhecido o caminho para o hospital 3 dias antes o que nos possibilitou chegar em 3-5 minutos no pronto socorro, a presença do médico que estava junto na reanimação e não desistiu de trazer o pequeno de volta quando o outro médico responsável achou que não tinha mais jeito (descobri isso recentemente, um dia eu conto com detalhes aqui), o pequeno ter reagido e revertido o quadro de morte encefálica que os médicos previram para ele, ele ter conseguido respirar sozinho e escapar da traqueo, o dia em que ele começou a abrir os olhos depois de termos ouvido que ele nunca mais acordaria, os incontáveis detalhes que aconteceram após a complicação da gastro e que permitiriam que o pequeno sobrevivesse a uma ruptura de estômago que nenhum médico intensivista conseguiu diagnosticar, todas as pequenas reações e conquistas que o pequeno teve desde o hospital até hoje, cada profissional e pessoa que cruzou a nossa vida e nos levou a descobrir as mais incríveis e infinitas possibilidades de lutar contra uma lesão cerebral.
Eu poderia escolher. Livre arbítrio. Suprassumo do amor divino. E nós escolhemos. Escolhemos ter fé, lutar, duvidar dos médicos e jamais desistir. Escolhemos guardar na memória o dia 15.11.2016 como o dia do renascimento do pequeno e o dia em que nós conhecemos a face misericordiosa de Deus. Escolhemos voltar nosso olhar para o dia de hoje e para tudo aquilo que nosso Pai nos reserva. E pensando principalmente nas últimas graças que Ele tem nos dado, só me resta escolher acreditar que muita coisa boa ainda está por vir...  


quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Carta ao meu pequeno: Feliz Aniversário de 3 anos!

Querido pequeno,
Hoje é o seu terceiro aniversário. Mas hoje, diferente dos outros dois anos, não haverá festa. Não porque não há o que comemorar. Há sim, meu amor, muito o que comemorar deste seu terceiro ano de vida. Sabe, eu sempre achei que você teria uma vida grandiosa, mas jamais poderia ter imaginado o tamanho dessa grandiosidade. Às vezes eu me pego pensando naqueles minutos em que o seu coração deixou de bater. Fico imaginando como deve ter sido quando você chegou no céu e olhou nos olhos de Deus. Não sei quem deve ter dado um sorriso maior, você ou Ele. Nos dias em que vivemos a angústia de não saber se você resistiria ao acidente, eu rezava para que você ficasse conosco. Mas eu sabia que aquele era um pedido egoísta. Não havia nada que eu pudesse oferecer que fosse melhor ou minimamente parecido com o que você teria no céu. Eu imaginava você no colo de Nossa Senhora e confesso que meu coração até se ressentia, pois eu sabia que meu colo jamais seria tão bom quanto o Dela. Não há no mundo, meu pequeno, colo tão amoroso e tão tenro quanto o da Nossa Mãezinha do céu. E quantas outras pessoas tão queridas você teria encontrado por lá?! Fico pensando que talvez você tenha conseguido conhecer a sua bisa, minha nona, e que você tenha tido a benção que nós não tivemos de conhecer os seus priminhos. Quem sabe, se você tivesse dado bastante sorte, você poderia até mesmo ter ganhado umas lambidas da nossa pretinha. Já me peguei também tantas vezes imaginando como deve ter sido quando Deus lhe revelou o plano que Ele tinha para a sua vida. Imagino o medo que você deve ter sentido quando soube que teria que viver tantas dores. Mas tenho certeza que o olhar compassivo Dele deve ter te acalmado de imediato e que Ele prontamente tenha te assegurado que você nunca estaria sozinho. Ele estaria em todos os momentos contigo, te carregando em Seus braços. Ou, talvez, Ele não tenha te falado nada, mas apenas te perguntado se você desejaria permanecer ali na morada em que Ele preparou para você, ou se você gostaria de voltar e viver mais uns bons anos aqui com a sua mamãe, seu papai, sua maninha, seus avós, tias e tios, primos e amigos. Talvez, nessa hora, você tenha olhado para baixo e tenha nos visto ao lado da sua cama, no hospital. Talvez, você tenha conseguido ver lá de cima o tamanho da dor que nós estávamos sentindo e o tamanho da saudade que nós sentiríamos caso a sua escolha fosse o céu. E, mesmo sabendo que não seria nada fácil, você tenha escolhido voltar. Não sei se algum dia eu saberei o que aconteceu com você naqueles breves minutos, mas, toda vez que me pego imaginando essas coisas, fico secretamente desejando que a memória desses momentos no céu esteja bem guardadinha no seu coração para um dia você me contar...
Sabe, meu pequeno, cada vez mais eu tenho certeza de que a sua história irá ajudar a mudar a história de tantas outras vidas, tantas outras famílias. Mas, de todas essas vidas transformadas por você, me arrisco a dizer que a minha seja uma das mais afetadas. Desde que você nasceu, você provocou uma transformação em mim que ninguém no mundo havia despertado. Você foi a primeira pessoa que me fez de fato querer ser melhor, querer corrigir meus erros e defeitos. Quantas vezes, meu pequeno, muito antes do acidente, eu me peguei rezando a Nossa Senhora, pedindo que Ela me ajudasse a ser uma mãe melhor para você. Mas, muito mais do que isso, nos últimos meses, você ajudou a transformar a minha alma, o meu espírito. Foi por sua causa que eu me tornei muito mais íntima de Deus. Foi pedindo por você que eu passei a sentir a presença real e constante Dele em nossas vidas. Foi na dor de te ver tão frágil e vulnerável que eu descobri o quão amoroso e misericordioso nosso Pai é. Se antes eu vivia buscando ser feliz nessa vida, hoje eu vivo buscando merecer um cantinho do céu. Hoje eu sei que por maior dor que se viva aqui, nada se compara à plenitude reservada a nós na vida eterna. Hoje eu sei que tudo o que nós fazemos importa, mesmo as pequenas coisas, e até mesmo nessas pequenas coisas eu passei a querer viver como Ele mesmo nos ensinou. Foi você, meu pequeno que tornou mais possível o meu encontro com Deus. E, pensando bem, talvez Ele mesmo tenha guardado para Ele o prazer de me contar como foi quando você O visitou no céu e de toda a bagunça que você certamente aprontou por lá.
Hoje não vai ter festa, meu amor. Mas por um motivo bem simples: você sempre curtiu tanto as suas festas de aniversário, que não achamos justo fazer uma que você não possa aproveitar. Tão logo você estiver pronto, meu pequeno, você não terá apenas uma, mas uma infinidade de festas. Feliz aniversário!
Com amor, Mamãe.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O Teu melhor está por vir.

Escrever é algo que sempre fez parte de mim, desde que me conheço por gente. Foi a maneira que eu encontrei para dar vazão ao turbilhão de pensamentos que inundam minha cabeça não só em momentos difíceis, mas até mesmo em momentos bons. Só que eu tenho um pequeno problema em relação a isso: eu preciso estar inspirada. Não consigo escrever por escrever. Preciso sentir as palavras fluírem de uma maneira tão intensa que é como se eu não conseguisse fazer mais nada naquele exato momento, a não ser sentar e escrever. E ultimamente eu não tenho conseguido fazer isso. Ou, quando a inspiração vem, eu estou no meio de uma terapia do pequeno, no carro indo pra casa ou na lida com a pequena, e aí quando eu finalmente consigo sentar a inspiração já me deixou há muito. Ou a inspiração simplesmente não vem. E nessa eu acabei falhando mais uma vez aqui no blog. Mil desculpas.
Nós passamos quatro semanas em São Paulo numa rotina louca de consultas, exames e terapias. Retornamos faz umas três semanas e já estamos conseguindo estabelecer uma rotina por aqui mais tranquila. Depois de quase dez meses tentando de tudo, acho que finalmente conseguimos traçar um norte e descobrir o tipo de tratamento mais promissor para o nosso pequeno. As ações que fizemos para arrecadar dinheiro repercutiram muito mais do que imaginávamos e nos rendeu uma quantia que nos possibilitou levar o pequeno nos melhores médicos de São Paulo, fazer inúmeros exames e conhecer tratamentos novos. Mesmo com todo o dinheiro que gastamos nessa viagem, ainda temos uma boa quantia em conta. Ontem colocamos na ponta do lápis e vimos que daqui para frente iremos gastar por volta de dez mil reais por mês com o tratamento do pequeno, entre terapias, suplementos, consultas, etc. Então, graças a vocês, temos dinheiro suficiente para os próximos meses de tratamento e estamos tranquilos até o final do ano para investir na melhora do pequeno. 
O que vai acontecer até lá e se vamos precisar novamente da ajuda de vocês, não sabemos. Está nas mãos de Deus. Mas o nosso coração segue cheio de gratidão e esperança. Gratidão a Deus por providenciar a cura do pequeno e colocar os profissionais certos no nosso caminho. Gratidão a vocês por tornar os tratamentos acessíveis. E esperança no que virá!

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Nós fizemos 3 rifas: uma que o prêmio era um moto e cujo sorteio foi realizado dia 13/9, e outras duas com dois prêmios de kits de beleza e cujos sorteios serão dia 16/9 (amanhã) e 30/9.
O ganhador da moto foi uma rifa comprada em nome da Paróquia de Santo Antonio de Lisboa e esperamos de coração que o prêmio possa ajudá-los a levantar fundos para a Igreja. Os próximos ganhadores serão postados aqui no blog. Boa sorte a todos! 

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Viral.

Começou sem pretensão, assim numa conversa entre tantas outras cotidianas. Na semana que antecedia a viagem do pequeno e do respectivo para os EUA testar um tratamento, nos demos conta do quão cara a viagem iria sair afinal. Nossa reserva está chegando no final, observou o respectivo. Ele não trabalha desde o ano passado. Abdicou da carreira para me acompanhar na nossa volta para Santa Catarina. Aproveitou um momento propício na empresa para sair com uma boa reserva e investir no seu próprio negócio. Ele estava começando a engatar bons projetos quando o acidente aconteceu. Sem hesitar, largou tudo para se dedicar aos cuidados do pequeno. Pela segunda vez, escolheu a família sem nem sequer precisar pensar no assunto. Desde então nos mantemos apenas com o meu trabalho. E conseguimos até agora nos virar de maneira tranquila. Mas as contas do tratamento começaram a chegar, a se empilhar na verdade. Reabilitação neurológica é uma coisa bem cara, descobrimos da maneira mais dura. A vontade que dá é de fazer tudo, sair testando tudo, até encontrar aquilo que vai trazer nosso pequeno de volta o melhor e o mais rápido possível. A nossa reserva era boa, mas não ilimitada. Precisávamos estudar muito para então começarmos a escolher nossas tentativas.
De um desses estudos, resultou essa viagem para os EUA*. Foi uma viagem cara, que nos custou boa parte da nossa reserva, mas que nos trouxe boas perspectivas. Pequeno reagiu como até então não havia reagido. Numa das sessões, tentou rolar de um lado para o outro algumas vezes. Eu, que fiquei aqui rezando de longe cada vez que o pequeno entrava numa sessão, já que a pequena ainda era muito nova para enfrentar as várias horas de voo, chorei igual criança quando respectivo me contou. Pequeno ficou lá por 3 semanas, tempo insuficiente para evoluir, mas suficiente para nos convencer de que essa é uma boa opção para seguir no tratamento dele. Tão boa que já temos engatadas duas outras viagens: uma para São Paulo e outra para a Argentina, ambos lugares onde encontramos possibilidades de dar continuidade ao tratamento iniciado nos EUA, que por enquanto ainda é uma opção cara demais para nós.
Mas, voltando àquela conversa de antes, chegamos a conclusão de que precisávamos pensar em maneiras de arrecadar dinheiro para custear os tratamentos do pequeno antes que precisássemos nos endividar. Tem a moto, ele me lembrou. Já fazia um tempo que o respectivo vinha tentando vender a sua moto, sem sucesso. Como uma última tentativa, anunciou num grupo de amigos. Nenhum interessado, mas uma sugestão: por que você não rifa a sua moto? Ideia dada e acatada, decidimos que essa seria a nossa primeira ação. Apenas para cobrir os gastos que teríamos com essa viagem aos EUA. Futuramente, quando já tivéssemos escolhido e delineado o plano de tratamento do pequeno, poderíamos então fazer uma vaquinha daquelas online, afinal nem sabíamos ainda quanto iríamos gastar para saber quanto precisaríamos pedir.
Rifa feita, bora agitar o pessoal. Distribuídas entre familiares e amigos, recebo a seguinte indagação: posso publicar no facebook? Ah, se for te ajudar a vender, pode sim, respondi. Mas não publica a conta bancária, tá bem? Por enquanto a ideia é só vender a rifa mesmo, as arrecadações vão ficar mais pra frente... Só que mais uma vez eu subestimei o alcance que a nossa história teria. Em questão de horas, o post da minha amiga já tinha tido mais compartilhamentos do que o número de rifas que ela tinha pego para vender. As mensagens não paravam de chegar de gente querendo ajudar. Minhas amigas me pediam mais e mais rifas. Mas não havia mais. Tínhamos feito apenas mil rifas com o sincero receio de nem sequer conseguir vender as mil. Mas as pessoas não querem rifas, elas querem apenas a conta para poder depositar um valor. Elas querem ajudar vocês, nos diziam. E agora, digo para esperarem a vaquinha, ou deixo publicar a conta bancária? Respectivo e eu recebemos mensagens de tanta gente querendo ajudar que começamos a ficar sem jeito de negar a ajuda. Como eu poderia dizer para uma pessoa "ah não, agora não muito obrigada, mas daqui 1 mês ou 2 eu vou precisar sim"? Resolvemos então ceder e dar as pessoas aquilo que elas há meses vinham nos pedindo, a chance de nos ajudar com o que elas podiam.
De novo estou sem palavras diante da comoção que a nossa história tomou. Nossa pequena rifa viralizou. Em menos de 24 horas atingimos praticamente metade do montante total da rifa. Quando liguei para minha mãe contando que ela precisaria me devolver as rifas que eu havia acabado de dar a ela porque já estavam vendidas, ela chorou. Se eu pudesse, abraçava cada um de vocês. Talvez num abraço eu conseguisse explicar o que eu não consigo através de palavras...
    
Muitas pessoas nos sugeriram fazer a vaquinha. Sim, nós iremos fazer. Mas ainda estamos em fase de testes. Ainda não sabemos exatamente como será e quanto custará o tratamento que escolhermos. Essas duas próximas viagens devem sanar as nossas dúvidas. E aí sim, plano traçado, poderemos fazer uma arrecadação organizada e bem explicadinha. Peço desculpas porque dessa vez foi tudo meio bagunçado, mas a generosidade das pessoas atropelou nossa singela organização. A quem já ajudou, eu, respectivo, o pequeno e a pequena somos muito gratos. A quem ainda quer ajudar, pode esperar a vaquinha (que provavelmente será lançada no mês que vem), ou, se não quiser esperar e quiser fazer uma contribuição voluntária, deixo aí embaixo os dados para depósito. O dinheiro está todo sendo depositado numa conta poupança que foi aberta especificamente para o tratamento do pequeno. Tratamento este que pretendo aos poucos ir contando aqui. Quem sabe, numa dessas, num próximo post, vocês não acabam esbarrando numa foto estampando o lindo sorriso daquele que há muito já deixou de ser o meu e já virou o nosso pequeno?!

Dados para Depósito:
Banco do Brasil
Agência 0131-7, Conta Poupança 63472-7, Variação 51
Emanuelle Tillmann Biz Meirelles
CPF 040.443.449-57

* Sobre o tratamento feito nos EUA: o pequeno esteve em tratamento na clínica Anat Baniel 
Method (www.anatbanielmethod.com/), a qual tem uma abordagem muito interessante de
estimular o cérebro através de movimentos e que segue os princípios de Moshe Feldenkrais,
mentor da Anat. Descobrimos essa metodologia no livro "O cérebro que cura", escrito por
Norman Doidge, livro este que tem nos ajudado muito por trazer uma série de tratamentos
que trabalham com a neuroplasticidade e sobre o qual eu ainda pretendo fazer uma resenha
aqui. 

quinta-feira, 13 de julho de 2017

De volta ao hospital...

UPDATES SOBRE A RIFA (19/07/2017):
Pessoal, felizmente as rifas que estavam sendo vendidas online já terminaram!! Agora só tem disponível rifa para ser comprada pessoalmente. Meus mais sinceros agradecimentos a todos que compraram, compartilharam e ajudaram a divulgar a nossa ação, foi um verdadeiro sucesso!! Estamos preparando ações futuras para ajudar o nosso pequeno, mais informações aqui.


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Não, não voltamos ao hospital. Pequeno segue bem, graças a Deus. Mas eu preciso retornar às memórias de quando o pequeno esteve internado para falar sobre dois momentos que ficaram pendentes de serem compartilhados: a gastrostomia do pequeno e a chegada da pequena.
O ano de 2017 começou, apesar dos pesares, com um pouco de otimismo. O pequeno tinha começado a interagir com a gente. Ele virava a cabeça quando chamávamos por ele, nos procurando pelo quarto do hospital. Ele reclamava com um resmungo ao colocarmos de volta na cama depois de passar um tempo no nosso colo, e também resmungava quando alguém que ele gostava ia visita-lo e se despedia na hora de ir embora. Algumas vezes também mexia a perninha quando pedíamos que ele fizesse gol. Eram movimentos lentos, às vezes dava para ver até a força que ele fazia para executar o movimento. Diferente dos reflexos, movimentos rápidos e descontrolados, começávamos a ver alguns movimentos realmente voluntários no pequeno. Ainda assim, nada que os médicos reconhecessem como sendo voluntário. Mas para nós, já não importava mais nada do que eles diziam. O pequeno já havia superado todos os prognósticos que eles haviam nos dado. Que ele não resistiria, não respiraria sozinho, não acordaria...
Ele estava pronto para ir para casa para iniciar os tratamentos de reabilitação, não havia mais nada prendendo ele ao hospital. Exceto por um detalhe: a sonda de alimentação. O pequeno ainda não estava deglutindo sozinho e dependia da sonda nasogástrica para receber alimentação. Mas ele não podia ter alta com essa sonda. Regras do hospital e do convênio, que só liberaria o homecare preenchida uma pequena condição. Era preciso fazer uma pequena cirurgia para colocar a sonda diretamente no estômago – uma gastrostomia. Nós relutamos o quanto pudemos para fazer essa cirurgia, e o fizemos por dois motivos: primeiro porque acreditávamos de todo coração que a qualquer momento ele recobraria a consciência completa, os movimentos e controle do seu corpo, sendo capaz de se alimentar sozinho. Acreditávamos que esse milagre aconteceria a qualquer dia e que nos sentiríamos péssimos por fazê-lo passar por uma cirurgia que no final das contas seria desnecessária, já que ele seria capaz de comer sem a sonda. Segundo, porque mesmo todos os médicos nos dizendo o quão simples essa cirurgia era, sabíamos que em qualquer cirurgia, por mais simples que seja, complicações podem acontecer. Esperamos o quanto nosso coração suportou esperar pelo nosso milagre, mas como haviam nos alertado sobre a importância de começar a reabilitação fora do hospital o quanto antes, acabamos cedendo.
A cirurgia foi agendada para uma terça-feira à tarde, em meados de janeiro. Naquela época, nós costumávamos checar pela frequência cardíaca se ele estava calmo ou agitado, caso em que procurávamos acalmá-lo reposicionando, trocando fralda ou simplesmente ficando junto dele. Na manhã da cirurgia, bem cedo, eu acordei e vi que ele estava agitando. Não era nem 6h da manhã ainda e respectivo dormia profundamente. Levantei-me e fui até a cama do pequeno fazer a checagem de sempre. Troquei sua fralda e sua posição na cama. Fiquei pertinho dele até que acalmasse. Logo que acalmou eu me afastei para voltar para a minha cama e dormir mais um pouco, mas não deu tempo, ele voltou a se agitar antes mesmo que saísse do lado dele. Respirei fundo e comecei todo o processo de posicioná-lo mais uma vez, enquanto silenciosamente rezava pelo nosso milagre. Você ainda pode acordá-lo nas próximas horas, antes da cirurgia, supliquei a Deus. Havia quase uma hora que eu estava naquela lida quando de repente enfermeiras entraram no quarto. Viemos levar o Arthur para prepara-lo para a cirurgia. Mas a gastro está marcada apenas para as 13h, ele vai ficar lá esse tempo todo sozinho esperando, questionei. O procedimento será adiantado, acabaram de ligar avisando que já estão aguardando ele no centro cirúrgico. Com o coração aos pulos me virei para ele, dei-lhe um beijo no seu rosto e lhe falei para não se preocupar que tudo ficaria bem. Quando fiz menção de sair da cama, ele bradiu alto, quase como num grito. Ele havia feito isso apenas uma ou outra vez, quando alguém havia forçado demais tentando dobrar sua perna ou seu braço rígidos pela espasticidade, causando dor. Mas naquele momento, eu havia tocado nele muito suavemente. Não havia explicação para a reação dele. Ou não havia explicação física. Senti no meu coração que ele devia estar com medo. Até mesmo as enfermeiras ficaram tocadas com a sua reação. Diante daquele quase grito, voltei-me mais uma vez para ele, abracei-o forte e tentei tranquiliza-lo o máximo que eu pude, quando na verdade por dentro eu também gritava querendo levá-lo embora dali para poder fugir de uma cirurgia que relutamos tanto em fazer. Assim que a maca desapareceu no corredor, eu caí de joelhos no chão e chorei.
Meu Deus, permita que corra tudo bem, que esse não tenha sido meu último momento com ele. Guia as mãos dos médicos para que essa operação transcorra da maneira mais tranquila possível. E assim em oração me mantive pelas horas seguintes, horas essas que pareceram durar uma eternidade. Não demorou e o alívio veio, a cirurgia tinha corrido bem, o pequeno estava sendo transferido da sala de recuperação para a UTI onde passaria os próximos dias até os médicos terem certeza de que ele havia se recuperado bem. A estimativa era de que ele ficasse 2 dias na UTI e, não havendo intercorrência, ele voltaria para onde o quarto para ter alta logo que tivesse se adaptado a receber a dieta pela nova sonda. Como previsto, dois dias depois da cirurgia, ele saiu da UTI para o quarto. Ele parecia bem, apesar do desconforto e da dor que eram esperados que ele sentisse num pós-cirúrgico, os quais ele demonstrava através de gemidos. Na noite de quinta-feira, eu e o respectivo nós preparávamos para ir para casa jantar e tomar banho, enquanto minha sogra ficaria cuidando do pequeno. Antes de sair, ajeitamos o pequeno na cama algumas vezes, mas ele voltava a ficar agitado toda vez que terminávamos de posicionar ele na cama. Depois da terceira tentativa e com a promessa de que o faríamos apenas mais uma vez, começamos pela última vez tentar de acalmá-lo. Foi quando ele soltou um grito forte e vimos seus batimentos cardíacos pularem de 120 bpm para 170 bpm, e dali para 180, 190, 200, 210, 220... O pequeno não parava de gritar e nós não sabíamos o que fazer. Pedimos para as enfermeiras chamarem o médico de plantão, mas o plantonista da UTI estava atendendo um parto, e indicou por telefone que apenas ministrassem um analgésico. Continuamos insistindo com as enfermeiras e então elas chamaram o plantonista do Pronto Atendimento que indicou uma lavagem intestinal. Um pouco depois o cirurgião apareceu e pediu alguns exames, os quais não indicaram nada errado. Ele sugeriu à equipe que o pequeno retornasse à UTI por precaução, mas o plantonista não achou necessário e ministrou um analgésico mais forte.
Horas se passaram e o pequeno continuava gritando, parando rapidamente por breves intervalos, sua frequência cardíaca continuava acima de 200 bpm, e nós continuávamos desesperados sabendo que algo estava muito errado. Até então, as vocalizações do pequeno eram muito suaves, resmungos baixos, gemidos, algumas reclamações e o que nós chamávamos de miadinhos. Para nós era muito claro que ele estava sentindo alguma dor muito intensa, mas os médicos pareciam discordar e diziam que ele deveria estar sentindo as dores habituais de um pós-operatório. Depois de muita insistência e briga do respectivo, conseguimos levar o pequeno de volta para UTI. Já era por volta de 2h da madrugada o que significava que o pequeno estava naquele estado há pouco mais de 5 horas. Ao menos, estando na UTI, sabíamos que estávamos melhores amparados caso o pequeno precisasse de algo urgente. Mas ainda assim não descansamos e o resto da madrugada passamos ao seu lado. Respectivo tentava fazer com que os médicos tomassem alguma atitude que ajudasse o pequeno, além dos analgésicos que haviam sido ministrados. Eu só conseguia me manter do lado da sua cama rezando. Eu confio em Ti, eu repetia sem parar. Coloca Tuas mãos sobre o pequeno e protege ele. No meu coração eu sabia, Deus não tinha salvado o pequeno para levá-lo embora agora. Eu sabia que Ele estava junto de nós, cuidando do pequeno. Às 6h da manhã eu finalmente cedi e voltei para o quarto para dormir um pouco. Pouco depois das 9h eu acordei e voltei para a UTI, com o coração cheio de esperança de que o pequeno estivesse melhor. Mas ele continuava gritando, parecendo cada vez mais frágil. Os médicos resolveram pedir novos exames, mas não havia o menor resquício de nada. Além dos gritos e da frequência cardíaca, tudo parecia normal. Lá pelo meio da tarde, o cirurgião veio ver o pequeno e então nos propôs leva-lo de volta ao centro cirúrgico para checar via câmera se encontrava a fonte da dor que o pequeno mostrava estar sentindo. Mais uma cirurgia, eu tremi por dentro. Mas não havia mais o que fazer. Concordamos então. Voltamos ao leito do pequeno para dar um beijo nele antes dele subir para o centro cirúrgico, e o encontramos dando uma pausa nos gritos. Logo que entrei chamei seu nome, ele virou o rosto na minha direção, deu um gemido alto e voltou a gritar. Foi como se fosse antes do acidente, quando ele se machucava e corria chorando para o meu colo para tentar aliviar a dor...
Com o coração em pedaços, acompanhamos o pequeno até as portas do centro cirúrgico e nos sentamos na sala de espera. Não devo demorar mais do que 40 minutos, nos disse o médico. Pouco mais de duas horas depois, nada de notícias. Mas apesar do cansaço e do desespero da noite passada, meu coração estava em paz. Eu sabia que o que quer estivesse errado com o pequeno, eles estavam consertando. Deus estava cuidando dele e não iria o abandonar logo agora. Com o passar do tempo, começar a ficar ansiosos por notícias. Fomos para perto da porta tentando ver alguém que pudesse nos dizer alguma novidade sobre o pequeno, quando de repente eu recebo uma mensagem no celular de um de nossos inúmeros companheiros da corrente de fé do pequeno, mas para os quais ainda não havíamos contado a batalha que estávamos vivendo nas últimas 24 horas: “Que venha o bálsamo e forças. Que sobre ti esteja a paz que excede todo o entendimento. Não temas! Ele é contigo. Não te assombres, Ele é o teu Deus”.  Minutos depois, o cirurgião apareceu. Havia uma ruptura no estômago do pequeno, mas nós já reparamos. Falou assim como se não fosse grande coisa e como se de fato não fosse nada nós recebemos a notícia. Mas, aos poucos, começamos a assimilar o que havíamos ouvido. O estômago do pequeno rompeu. Rompeu. E assim num baque eu entendi o tamanho da dor que ele devia estar sentindo, que o fez gritar por mais de 20 horas seguidas. Não bastava a dor da ruptura em si, ele tinha ficado todo aquele tempo com suco gástrico espalhado pela sua cavidade abdominal. E nenhum exame tinha conseguido apontar o problema. A nossa insistência e a atitude do cirurgião de leva-lo de volta ao centro cirúrgico só aconteceram porque ele não parava de gritar. Se ele não tivesse exprimido toda a sua dor, talvez a ruptura não tivesse sido descoberta a tempo de ser reparada. O médico plantonista da UTI depois nos confessou que, quando viu o pequeno no estado em que ele estava, achou que dessa vez nós o perderíamos. O que não aconteceu graças ao próprio pequeno. O meu pequeno, a quem os médicos insistiam em dizer que não tinha a menor consciência, havia salvado a própria vida.
Depois disso, os médicos se tornaram mais cautelosos com a recuperação do pequeno. Ao invés de ficar apenas dois dias na UTI, eles determinaram que ele ficaria até que a dieta fosse introduzida e que não houvesse indícios de rejeição. Esperaram pouco mais de dez dias até iniciar a introdução da dieta. O pequeno já estava bem melhor, não havia tido mais nenhum intercorrência, e tudo parecia encaminhar para a tão esperada alta hospitalar. Bastava não ter nenhum problema com a dieta. Mal sabíamos que haveria mais uma dura batalha pela frente. A introdução foi feita aos poucos, começando em 50ml em cada refeição e aumentando gradativamente conforme ele demonstrava aceitar o volume dado. Em alguns dias ele havia conseguido chegar ao volume máximo sem nenhum problema. Mas, ao final do primeiro dia que ele passou recebendo a dieta completa, os problemas recomeçaram. Taquicardia, febre, urros. Na hora em que a reação começou, ele estava recebendo uma bolsa de sangue. Os médicos tinham detectado num exame que ele estava anêmico e naquele momento ele estava recebendo a bolsa para amenizar os baixos índices constatados. Atribuíram o ocorrido a uma reação ao sangue recebido. Mas, na noite seguinte, mesmo sem receber sangue nenhum, a reação se repetiu. Exames foram feitos. Coleta de sangue, raio-x. Nada apareceu de errado. Eu me sentia presa a um episódio de seriado médico sem fim. Resolveram então deixar ele em um dia de jejum e recomeçar a dieta no outro dia. Milagrosamente ele passou o dia de jejum incrivelmente bem. Dormiu e ficou calmo como há dias não ficava. Mas, recomeçada a dieta, o problema voltou. Naquela altura do campeonato, eu e o respectivo estávamos convencidos que o problema era a dieta. Chegamos a conversar sobre o assunto com a nutricionista e pedir uma endoscopia. Mas os médicos não achavam que a causa era no estômago. Eles acreditavam que deveria ser uma infecção ou algo similar. E aí, na manhã seguinte, a fralda amanheceu cheia de sangue. Não havia mais opção a não ser realizar a endoscopia que tanto havíamos pedido. E, depois de três madrugadas enfrentando enfermeiras e médicos, e suplicando intensamente a Deus – e, confesso, uma certa revolta com Ele também –, o problema finalmente foi descoberto: o pequeno estava com uma úlcera duodenal sangrante. Agora era preciso zerar a dieta, tratar a úlcera para daí começar a pensar na adaptação da dieta novamente.
A sensação que tínhamos é que nós nunca mais deixaríamos aquela UTI. Tudo que nós queríamos era ir pra casa e começar a reabilitação do pequeno. Mas a alta dele parecia cada vez mais distante. Aquela cirurgia que tinham nos prometido tanto ser simples e de rápida recuperação, havia se transformado numa novela que já durava mais de um mês. A pequena estava cada vez mais próxima de chegar e o pequeno continuava internado. A cada dia que passava nós nos víamos diante de uma dura realidade: a pequena nasceria e nós duas teríamos alta do parto antes mesmo do pequeno deixar aquela UTI...

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Nota sobre o atual estado de saúde do pequeno: ele segue tendo pequenos ganhos. Ainda não chegou nem perto do que gostaríamos ou acreditamos que ele chegará. Depois da gastro, aliás, o pequeno nunca mais voltou a ter as interações que ele tinha começado a desenvolver no início do ano. Acreditamos que a dor intensa que ele sentiu fez com que seu cérebro criasse um certo bloqueio. As suas melhoras por enquanto se limitam a dormir melhor, ficar mais tranquilo, menos espástico, melhorar a deglutição. Levamos algum tempo para assimilar e entender o quão demorado o processo de recuperação neurológica é. Hoje nós compreendemos. Ainda acreditamos de coração que, se for da vontade de Deus, o pequeno um dia simplesmente acordará pleno. Mas mesmo na lentidão da recuperação reconhecemos a mão de Deus e os pequenos milagres do dia a dia. Às vezes eu me recordo de que um dia eu cheguei a chorar acreditando que estava diante dos últimos dias do meu pequeno e simplesmente me ajoelho agradecendo ao Pai por me permitir lutar por ele, por me mostrar de maneiras que só Deus sabe fazer que Ele continua ao nosso lado e que, não importa quanto tempo levar, o pequeno ficará bem.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

There are places I'll remember all my life, though some have changed.

UPDATES SOBRE A RIFA (19/07/2017):
Pessoal, felizmente as rifas que estavam sendo vendidas online já terminaram!! Agora só tem disponível rifa para ser comprada pessoalmente. Meus mais sinceros agradecimentos a todos que compraram, compartilharam e ajudaram a divulgar a nossa ação, foi um verdadeiro sucesso!! Estamos preparando ações futuras para ajudar o nosso pequeno, mais informações aqui.


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Estamos de casa nova, de novo. Logo que o pequeno teve alta, mudamos de mala e cuia para outra cidade, testar um tratamento durante 4 semanas. Deu certo, ele respondeu bem e vem melhorando aos poucos. Decidimos então trazer todo o resto que tinha ficado para trás por alguns meses. Não foi fácil deixar a casa nova para trás. Algumas pessoas nos perguntavam como iríamos conseguir continuar morando lá depois do acidente. Mas eu não me via em outro lugar. O pequeno gostava tanto de lá, nós gostávamos tanto de lá. O pouco tempo que havíamos passado lá antes do acidente tinha sido tão perfeito. Quando eu olhava ao redor, não eram os momentos de desespero que me vinham à mente. Eram memórias sempre cheias de alegria. Do pequeno correndo todo sorridente pela casa logo que chegou. Pulando na cama de estrelinhas assim que a viu. As inúmeras vezes que ele me chamou para desenhar no quadro negro que eu havia colocado para ele na sala de brinquedos, ou para empurrá-lo no balanço no quintal. O meu aniversário. Os passeios de bicicleta na rua. Os dias de sol na piscina...
A piscina. Nos primeiros dias eu evitava olhar para a direção dela. Tinha receio do que iria sentir. Aos poucos, comecei a enfrentá-la. E, diferente do que eu havia imaginado, eu não sentia dor ao encará-la. Eu via o pequeno ali feliz pulando da borda em direção aos meus braços, como fizemos inúmeras vezes. Tchibum ele dizia. Faz tchibum, mamãe. Um dia, quando viemos do hospital para casa tomar banho e descansar um pouco antes de voltar, tivemos um momento que eu jamais esquecerei. Era por volta de 18h, o dia estava muito quente. Enquanto sentia aquele calor gostoso de fim de tarde de verão, me peguei olhando para a piscina. A essa hora eu estaria chegando em casa depois do trabalho, pensei. O sol ainda se estendia por toda a extensão da piscina e imaginei quão gostoso seria tomarmos um banho nela em dias assim. Será que a água estaria gelada? Sentei na borda e coloquei meus pés dentro. Morninha. Chamei o respectivo para sentir. Ele se sentou ao meu lado. Quando menos percebemos, estávamos os dois dentro da piscina. De roupa e tudo. Uma família de papagaios brincava na árvore do terreno ao lado. Ficamos um bom tempo abraçados, apenas os observando e curtindo aquele fim de tarde. Não havia dor. Não havia desespero. Eu olhava ao redor e não via o fantasma do que eu encontrei na água no dia 15 de novembro de 2016. Não. Eu via o carrinho da pequena encostado num canto na sombra. Ela dormindo dentro enquanto eu, o respectivo e o pequeno fazíamos bagunça na água. Via minhas irmãs, meu sobrinho, infinitos finais de semana de verão. Banhos de piscina à noite, na chuva. Incontáveis momentos felizes. Nenhum pingo sequer de dor. Fechei os olhos e levantei a cabeça em direção ao céu. A oração que veio do meu coração naquele momento era de pura gratidão. Gratidão por saber que, não importa o que eu estivesse passando naquele momento, havia esperança. O pior já havia passado e o melhor ainda estava por vir. Acho que naquele momento eu me perdoei. Não havia mais culpa em meu coração. Nos momentos difíceis ela ainda encontra o caminho de volta e me faz sentir seu peso. Talvez ela nunca me deixe para sempre. Nem mesmo quando eu tiver novamente o pequeno sorridente me abraçando e chamando por mim. Ainda assim, sinto que me perdoei pelo que aconteceu. Mais do que isso, sinto que Deus me perdoou. 
Não foi fácil deixar a casa nova para trás. Mas ela ficará guardada para sempre no meu coração. Nosso breve lapso de vida perfeita. Agora temos uma nova casa nova. Numa cidade repleta de memórias. Era onde sempre vínhamos passar parte das nossas férias, visitar a minha família. Alguns dos nossos melhores momentos com o pequeno vivemos aqui. Viro uma esquina e dou de cara com uma pracinha onde um dia fomos encontrar minha irmã e meu sobrinho para os dois brincarem, só que o pequeno dormiu no caminho e só acordou quando eles já tinham ido embora. Ou outro parque, onde nos divertimos  numa tarde procurando macaquinhos nas árvores. Vejo um ônibus passando e lembro do dia que fomos eu e ele de ônibus para a praia, ele todo serelepe sentindo como se estivesse vivendo uma grande aventura. Passo na frente de um shopping e lembro de quando eu tentei assistir ali naquele cinema um filme com o pequeno, mas passei quase as 2h de filme cuidando dele nos degraus da escada. As memórias vem o tempo todo, aos borbotões, me arrancando sorrisos do nada. Sempre sorrisos, nunca lágrimas. No meu coração eu sei, memórias e momentos melhores ainda virão.
O primeiro pôr do sol que assistimos na nova casa nova, abençoando este novo começo.
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Updates sobre o pequeno: ele segue melhorando. Praticamente não tem mais espamos pelo corpo, diminuiu muito o tônus muscular, melhorou a postura, está dormindo melhor, passando o dia muito mais calmo e atento ao ambiente ao seu redor. Reage cada vez mais a barulhos, foca mais o olhar, mexe a cabeça procurando coisas ao seu redor, vocaliza mais - principalmente quando fazemos algo que ele não gosta, como escovar seus dentes ou aspirar o nariz. Está começando a engolir, e se livrando super bem da secreção pela tosse. Temos lido muito sobre lesão cerebral e tratamentos (aliás, pretendo fazer um post sobre livros excelentes que eu li) e tem muita coisa a ser feita pelo pequeno. Muuuuita coisa. Estamos apenas no começo. Como eu disse, o amanhã é de muita esperança.

Obs.: a mudança me deixou mais tempo afastada do blog que eu gostaria. Demorei até conseguir dar conta de colocar a casa em ordem. Sigo prometendo melhorar a frequência por aqui e pedindo desculpa por ainda não ter conseguido. E os comentários, obrigada de coração por todos! Leio e guardo cada palavra com carinho, não tenho mais conseguido responder, mas saibam que cada comentário me traz ainda mais força!

sábado, 15 de abril de 2017

Porque Ele vive, eu posso crer no amanhã. Porque Ele vive, temor não há.

UPDATES SOBRE A RIFA (19/07/2017):
Pessoal, felizmente as rifas que estavam sendo vendidas online já terminaram!! Agora só tem disponível rifa para ser comprada pessoalmente. Meus mais sinceros agradecimentos a todos que compraram, compartilharam e ajudaram a divulgar a nossa ação, foi um verdadeiro sucesso!! Estamos preparando ações futuras para ajudar o nosso pequeno, mais informações aqui.

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"Então lhes disse: A minha alma está cheia de tristeza até a morte; ficai aqui, e velai comigo."


Essa semana, como parte da minha preparação para a Páscoa, fui me confessar. O Padre estava a par de tudo que estamos vivendo com o pequeno e acabou se tornando mais um bate papo do que uma confissão. A certa altura da conversa, ele me falou algo que eu jamais tinha me dado conta. Que o verdadeiro momento que Cristo nos salvou não foi na cruz. Foi no horto das oliveiras. Depois que celebrou a Santa Ceia com os discípulos e antes de ser entregue aos soldados romanos, Jesus rezou. Ele estava tomado por uma tristeza profunda, uma tristeza de morte. Ele sabia o que estava por vir. Tão grande era a Sua angústia, que Ele suou sangue. Pediu ao Pai que afastasse aquele cálice, se fosse possível. Mas sempre finalizava Sua oração dizendo que fosse feita a vontade de Deus. Três vezes ele se ajoelhou, repetindo a mesma oração. Quando retornou pela terceira vez para encontrar com os discípulos adormecidos, já não havia mais angústia, apenas paz. Ele tinha dado o seu sim naquele momento. Ele tinha se entregado aos planos de Deus para Ele. Esse momento, esse sim, foi o que nos salvou. O que veio a partir daí - o julgamento pelos sacerdotes e por Pilatos, a flagelação, o calvário, a crucificação e a ressurreição, tudo só foi possível por causa do Seu sim. 
Mais do que procurar entender o que estava acontecendo com o pequeno e com a nossa família, venho buscando me entregar. Eu confio, eu me entrego. É o mantra que repito várias vezes ao dia. Mas não sei se posso dizer que dei meu sim a Deus. Minha confiança vem baseada numa condição: acreditar que o pequeno vai voltar a ser exatamente como ele era. O que o padre falou naquele momento da confissão ficou na minha cabeça. Eu sei no meu coração que eu não dei o meu sim. Eu ainda não fui capaz de olhar para Ele e dizer "que seja feita a Sua vontade", pois sei que a vontade Dele pode ser que seja diferente da minha. E dentro da minha medíocre inteligência humana, qualquer vontade que seja diferente da minha não pode ser boa. 
A Páscoa que hoje nós celebramos só foi possível porque Cristo deu o seu sim. Então que eu possa também dar o meu sim. Ainda que eu sinta uma tristeza de morte e que eu saiba que o que me espera é uma caminhada de muita dor, eu sei que no final a vida vence a morte. Ainda que a cruz seja pesada demais, depois dela vem a glória.
Feliz Páscoa!

sexta-feira, 31 de março de 2017

Derrama sobre nós o Teu amor 💙

UPDATES SOBRE A RIFA (19/07/2017):
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Recebi esse vídeo e fiz questão de compartilhar aqui para que cada um de vocês que fazem parte da nossa corrente de fé pelo pequeno saiba quão importante vocês são na recuperação dele! E nossa gratidão só aumenta a cada dia por tanto carinho 💙
Sigo buscando tocar teu manto, Senhor Jesus. Que a tua força de cura se derrame sobre o nosso pequeno!

quarta-feira, 22 de março de 2017

Updates.

Faz tempo que não consigo sentar e escrever. Se a rotina diária com dois filhos já beira o caos, imagina a rotina diária com dois filhos e um tratamento intensivo para o pequeno. Desde semana passada largamos nossas coisas para trás e nos concentramos em fazer um tratamento que consiste numa maratona diária de 4h numa clínica de reabilitação neurológica e mais uma série de exercícios de estimulação que eu e o respectivo ficamos responsáveis por fazer em casa. E no meio disso tudo, pausa para amamentar, ninar e chamegar a pequena. E para me dedicar a Deus, rezando, agradecendo e louvando.
Não sei quando conseguirei retomar minha terapia de escrever, mas assim que puder o farei. Muitas pessoas têm me pedido notícias. Peço desculpas por não dar conta de manter o blog mais atualizado. E peço desculpas também por não ter conseguido ainda responder os comentários, mas já adianto que li cada um e guardei cada palavra com muito carinho no meu coração. Vocês não sabem o bem que nos faz receber tanto carinho e tanto apoio. Estou em falta com vocês, mas assim que puder eu compensarei.
O pequeno segue bem. Nessa primeira semana de tratamento já notamos uma melhora significativa na espasticidade. As terapeutas que estão trabalhando com ele notaram diferença nas suas feições, dizem que ele está mais expressivo. O brilho do seu olhar aos poucos está voltando. Notaram também uma melhora na resposta dele aos exercícios. Tem sido um processo lento, como toda recuperação neurológica tende a ser. Mas o pequeno segue evoluindo, que é o mais importante de tudo. E nós seguimos confiando em Deus!

domingo, 5 de março de 2017

Tell me that you'll open your eyes.

UPDATES SOBRE A RIFA (19/07/2017):
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Mal havíamos colocado os pés fora da UTI e começamos a ter ideia do quanto a história do pequeno havia se espalhado. Em menos de meia hora no quarto já tínhamos recebido pelo menos umas 10 visitas só de pessoas de dentro do hospital que queriam ver o pequeno e dividir conosco alguma palavra de fé. E as visitas continuaram nos dias que se seguiram. O tempo todo nosso quarto era invadido por pessoas que ficaram sabendo do pequeno e se compadeceram da sua situação. O pequeno sempre foi uma criança cativante. Bastava um sorriso seu para que qualquer um se apegasse a ele. Nós sempre soubemos disso. Só não tínhamos ideia de que ele continuaria cativante mesmo dormindo. Havia uma infinidade de pessoas preocupadas com ele e torcendo pela sua recuperação. Nossa corrente de fé era muito maior e mais forte do que podíamos imaginar e mensurar.
No dia em que completávamos 1 mês de internação, acordei pela manhã e reparei que havia algo de diferente no pequeno. Uma frestinha bem pequena de seus olhos estava aberta. Fiquei angustiada com aquilo. Meu primeiro pensamento foi de que talvez as pálpebras não estivessem conseguindo mais se manter fechadas. Fui até ele e passei de leve a mão sobre seu olhos, tentando fechá-las. Me causava um certo desconforto ver seus olhinhos daquele jeito. As pálpebras se fecharam e tornaram a abrir em seguida na mesma frestinha. Resignada, deixei com estava. Pouco tempo depois, quando olhei novamente, estavam fechadas. E assim se mantiveram o resto do dia. Mais tarde, respectivo e eu no sentamos à mesa do quarto para jantar. Logo que iríamos iniciar nossa refeição, uma surpresa: o pequeno bocejou. Olhamos para a sua direção e a frestinha dos olhos estava novamente aberta. Nosso coração acelerou. Será que o pequeno estava acordando? Extasiados, corremos para o seu lado e ficamos esperando que seus olhos se abrissem por completo, no entanto eles se mantiveram daquele jeito. Levemente semi abertos. Não era bem o que esperávamos. Por um lado, nos sentíamos frustrados porque havíamos esperado muito mais. Sonhávamos em vê-lo acordando pronto, sem sombra de qualquer sequela. Esperávamos que o pequeno abrisse seus olhos, sorrisse, nos chamasse, saísse pulando e correndo da cama... Mas para quem não sabia se algum dia iria ver seus olhos azuis brilhar novamente, aquela frestinha era um belo primeiro passo.
Apesar da novidade, estávamos nos deparando com um novo problema. Quando ainda estávamos na UTI, havíamos sido apresentados a uma circunstância que acaba acontecendo com grande parte das pessoas que sofre alguma lesão cerebral mais severa: a espasticidade. O pequeno vinha apresentando um tônus muscular alterado, sendo que os músculos do seu corpo, em especial os das pernas, pés, quadril, braços, mãos e pescoço, estavam adquirindo uma rigidez tal que dificultava seu posicionamento adequado e confortável na cama. Logo de cara fomos alertados: a longo prazo, essa rigidez começaria a causar uma série de deformidades pelo seu corpo. Ver meu pequeno com seu corpinho todo rígido e pensar na dor que aquilo provavelmente estaria lhe causando estava me consumindo mais do que qualquer coisa. Certa noite, eu e o respectivo estávamos tentando posicioná-lo na cama para irmos dormir, mas não estávamos conseguindo de jeito nenhum vencer a maldita espasticidade. O stress daquela situação começou a tomar conta de nós e, antes que pudéssemos evitar, estávamos nos desentendendo pela primeira vez desde o acidente. Mais angustiada do que eu poderia suportar com toda aquela situação, decidi sair do quarto e, sem pensar onde ir, acabei parando na capela do hospital. Me coloquei de joelhos diante do altar e da cruz e deixei o desespero tomar conta de mim em forma de choro e prece. Em prantos, eu implorava a Deus que livrasse o pequeno de toda aquela dor e das deformidades. Já bastava tudo o que ele estava passando. Olha para a dor do pequeno, Pai. Olha para a minha dor de mãe, eu suplicava incessantemente. 
Não faço ideia de quanto tempo passei ali rezando. Quando terminei, meus olhos ardiam de tanto chorar, mas meu coração estava mais leve. Peguei meu celular e vi que eu havia recebido uma mensagem de um número desconhecido. Mais um soldado do nosso exército. A mensagem na verdade era um áudio que contava um milagre de cura recebido por um menino que sofria de algum tipo de câncer. No final da mensagem, a narradora repetia sem parar: Jesus se importa com a sua dor. Jesus se importa com a sua dor. Jesus se importa com a sua dor. Palavras vindas diretamente do céu. Era como a voz de um anjo me falando exatamente o que eu precisava escutar. Jesus se importa com a dor do pequeno, com a minha dor e a do respectivo. Ele certamente tinha me visto chorando e implorando naquele momento. Ele se importava com a dor que todos nós estávamos sentindo. E em meu coração não havia dúvidas, Ele iria nos atender. No dia seguinte, quando acordamos, notamos que o pequeno estava diferente. Não estava tenso como nos dias anteriores. Pelo contrário, estava muito mais relaxado do que o normal. Não estava com todos os músculos soltos como deveria, mas havia uma melhora nítida em seu corpo. Estava muito mais fácil de posicioná-lo e manuseá-lo. A rigidez não deixou de vez o pequeno e em alguns momentos do dia voltou a ser exatamente como costumava. Mas o fato é que a maior parte do dia ele tinha passado relaxado. E eu tinha passado o dia tomada por um sentimento de paz tão grande que há dias eu não sentia. Paz e gratidão. Deus não só havia ouvido minhas súplicas como havia me atendido prontamente. Ele realmente se importa com a nossa dor.
O tempo que passamos internados com o pequeno no quarto passou muito mais rápido do que quando estávamos na UTI. Passávamos o dia em função de posicioná-lo na cama e estimulá-lo com o que podíamos. Seus olhinhos agora se abriam cada vez mais. Mas só. Abriam-se e ele permanecia do mesmo jeito, como se continuasse dormindo. Enquanto ele continuava dormindo, o tempo voava do lado de fora das paredes do hospital. O final do ano já estava se aproximando, e com ele as festas de Natal e ano novo. Era como se estivéssemos congelados no tempo vendo a vida passar. Quando comecei a me dar conta da proximidade dessas datas e lembrava de tudo que tínhamos programado para aquele final de ano, meu coração se enchia de dor e angústia. Seria um final de ano tão especial, com uma série de festividades programadas. Reencontraríamos pessoas da família que há tempos não víamos, iríamos curtir alguns dias na praia - que o pequeno simplesmente adora - e faríamos o chá de bebê da pequena. Sem contar que seria o primeiro Natal que o pequeno iria de fato curtir a festa, os presentes, o Papai Noel. Perdi as contas de quantas vezes fui dormir pedindo a Deus que nos poupasse daquela dor e trouxesse o pequeno de volta por completo antes que o Natal chegasse. Faz um milagre de Natal, eu pedia.
Conforme os dias foram se passando, a angústia foi dando lugar a um novo sentimento. Quanto mais tempo eu passava buscando a Deus, mais eu me dava conta que não havia motivo para tristeza. Não, eu não passaria o Natal em casa, com uma bela ceia, cercada da família, trocando presentes. Eu passaria num hospital, não haveria Papai Noel, apenas alguma refeição não tão elaborada que conseguíssemos levar para esquentar e comer ali mesmo no quarto. Mas não tinha sido assim afinal, na simplicidade do que as circunstâncias tinham permitido, que o Natal tinha surgido? Comecei então a me dar conta que passar um Natal sem a abundância a qual estávamos acostumados nos aproximava ainda mais de Deus. Vínhamos buscando exercitar a gratidão e com certeza não havia momento mais propício para sentir-se grato do que a celebração do nascimento Daquele que havia salvado nossa família de uma tragédia. Daquele que, por sua paixão, morte, cruz e ressurreição, havia aberto as portas do céu e nos permitido vivenciar o milagre da cura do nosso pequeno. Quanto mais eu pensava no verdadeiro significado daquele data, mais a tristeza dava espaço à gratidão e a uma sincera alegria. Sem aquele nascimento, sem aquela celebração que ano após ano realizávamos sem nos aprofundar no que de fato estávamos comemorando, nada do que estávamos vivendo seria possível. O pequeno já não seria possível, apenas uma lembrança dolorida e um vazio no nosso peito. Não havia mais dor, nem angústia, nem dúvidas: aquele seria o Natal mais especial que eu já tinha vivenciado. 
O ano de 2016 chegava aos poucos ao seu fim. E nós estávamos mais transformados do que nunca. Se alguém tivesse nos contado como terminaríamos aquele ano, acho que eu não teria acreditado. Tudo que estávamos vivendo parecia tão surreal. Tudo que havíamos vivido até antes do acidente parecia pertencer a uma outra vida. A transformação espiritual que havia tão drasticamente acontecido conosco já não nos permitia seguir a vida que antes vivíamos, ainda que o pequeno acordasse ali naquele momento e saísse falando e andando, e pudéssemos enfim voltar para casa. Ele ainda não havia acordado. Ele abria os olhos por inteiro agora. Mantinha-os abertos boa parte do dia e os fechava e relaxava durante alguns períodos. Era nítido que agora ele alternava momentos de vigília e sono. Mas, quando estava acordando, não interagia conosco. Ou parecia não interagir. Talvez porque não conseguisse, ou porque não estivesse consciente apesar de estar com os olhos abertos. Não sabíamos e confesso que não fazia diferença. Esperávamos mais, muito mais. Nos mantínhamos na esperança e na fé de que em algum momento ele abriria seus olhos e estaria completamente recuperado. Mas cada dia que passava sem que isso acontecesse, nos perguntávamos se ele iria de fato se recuperar. Seus olhos azuis estavam ali, abertos. Mas não pareciam mais brilhar...

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Nota sobre o atual estado de saúde do pequeno: tivemos alta hospitalar domingo passado. Já estamos há uma semana podendo cuidar do nosso pequeno em casa. A espasticidade que tinha dado uma grande melhora no final do ano passado, voltou com tudo nas complicações pós-cirúrgicas do pequeno. Agora, podendo curtir as comodidades da casa, notamos que aos poucos ele vem conseguindo vencer a rigidez muscular. Mas ainda há muito que recuperar para voltar ao que era antes da cirurgia da gastrostomia. E ainda mais para voltar ao que era antes do acidente. 
Agora que estamos em casa, estamos indo atrás dos melhores tratamentos que podemos dar ao pequeno para ajudá-lo com a recuperação neurológica. Seguimos confiantes de que Deus irá prover a cura, pedimos apenas que Ele nos guie nesse caminho até que possamos ver nosso pequeno pleno novamente.

Obs.: sigo querendo postar com mais frequência. Mas a pequena tem me mantido acordada boa parte das madrugadas, e durante o dia fico dividida entre os cuidados dela e do pequeno. A quem vem acompanhando nossa história, minhas sinceras desculpas pela demora. Prometo que postarei sempre que conseguir!  

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Difícil não é impossível.

Os dias que se seguiram a nossa conversa com os médicos depois da retirada do tubo respiratório foram de muita treva. Eu não podia acreditar que meu maior pesadelo desde que o acidente tinha acontecido estava se concretizando. A hipótese do pequeno para sempre numa cama tinha passado pela minha cabeça algumas vezes mas eu tinha afastado antes mesmo que o pensamento se concluísse. Nós tentávamos nos manter firmes na fé, mas as palavras dos médicos ressoavam em nossa cabeça. "Muito difícil". Naquela tarde de sábado, deixamos o pequeno com uma das avós e fomos para casa tomar banho. Foi quando enfim desmoronamos. Nos deitamos no quarto do pequeno e choramos juntos. Por que Deus tinha nos abandonado dessa maneira? Será que Ele não tinha escutado a nenhuma das minhas orações? Eu lembro tão bem, quando o respectivo veio procurar a casa onde iríamos morar, eu tinha me apaixonado por essa e pedi que ele fizesse o possível para consegui-la. Mas já tinha um casal que havia entregado a documentação e estavam quase fechando o contrato. Lembro que quando o respectivo me falou isso eu fiquei muito decepcionada. Em todas as mudanças que fizemos, quando eu gosto muito de uma casa e ela não dá certo, eu tendo a não me satisfazer com mais nenhuma. Mas então, logo depois de desligar o telefone, eu fiz uma pequena prece. Disse a Deus que se Ele tivesse um bom motivo para nos afastar dessa casa, uma tragédia ou algo assim, que eu entenderia e não ficaria frustrada, e que eu aceitaria o novo lar que Ele tinha preparado para nós, seja ele qual fosse. Uns dias depois, conseguimos alugar a casa.
Eu me sentia tão ignorada naquele momento. Sabia que nós nunca tínhamos sido modelos de santidade ou cristãos exemplares. Mas nós tínhamos buscado manter Deus sempre presente em nossas vidas, na nossa família. Nós sempre tivemos plena consciência da bondade Dele para conosco, agradecíamos sempre pelas graças que Ele nos dava, principalmente pela família perfeita que Ele tinha nos permitido formar. O que nós tínhamos feito para merecer isso? Nosso pequeno tão perfeito, a quem a gente amava tanto, o que ele tinha feito para merecer isso? Deus tinha tido duas oportunidades desde o acidente para levar nosso filho embora e recebê-lo em Seus braços como um anjo, por que permitir que ele ficasse aqui e vivesse uma vida tão limitada? Aceitar isso é acreditar que Deus não existe. E acreditar que Deus não existe é negar toda a minha vida, todo o meu ser, confessei ao respectivo. Não, nós não iríamos aceitar isso. Nosso Deus é o Deus do impossível. Ele tinha nos guiado e nos permitido salvar nosso pequeno. Ele não iria nos abandonar agora, tínhamos certeza disso.
No domingo cedo, respectivo ficou na UTI e eu fui à missa com a minha família. Mal consegui ouvir uma palavra dita durante a celebração. O tempo que fiquei lá, passei chorando e questionando Deus por todas as coisas que estavam acontecendo. Por que Ele tinha permitido que isso acontecesse ao pequeno e a nós? Por que Ele não tinha afastado a casa de nós? Por que as grades não tinham sido instaladas no prazo combinado? Que motivo Ele tinha para justificar tamanha cruz na nossa vida? Eu tinha pedido a Ele, que levasse o pequeno, mas não o deixasse assim tão incapacitado. Por que nem isso Ele tinha atendido?
Passei o dia tomada pela dor e pela dúvida. Havia pouco espaço em mim para a fé naquele momento. Respectivo também tentava se reerguer mas, assim como eu, era puxado para baixo pela angústia de cada um dos questionamentos que não parávamos de fazer. Foi então que, naquela noite, eu recebi uma mensagem que mudou completamente a nossa forma de enxergar o que estava acontecendo conosco e com o pequeno. Minha irmã, após receber de uma conhecida, me mandou um link de um site onde havia diversos testemunhos de curas milagrosas. E onde havia uma mensagem que simplesmente respondia todos os questionamentos que havíamos feito naqueles dois dias de trevas. A mensagem falava de um Deus amoroso, não distante como tínhamos o costume de pensar, mas de um Pai muito próximo de nós, que não só conhece a nossa dor mas a sente junto conosco, por sermos seus filhos amados. Um Deus que não só escuta nossas preces mas que anseia em nos atender. Atender a todos os que os buscam, sem predileções. Um Deus que não nos "castiga" com doenças ou situações difíceis, mas que nos ama tanto que enviou o Seu Filho para nos salvar. E o que Ele espera de nós? Gratidão. Fé. Confiança. Depois de receber a mensagem, meu coração ficou leve, tomado de uma paz inexplicável. Nada do que os médicos haviam falado me incomodava mais. Tudo iria acabar bem. Nós havíamos passado o final de semana inteiro questionando Deus, e Ele simplesmente havia respondido todas as nossas dúvidas. Ele está do nosso lado, tínhamos certeza disso.
Durante os dias que se seguiram, o pequeno começou a apresentar uma boa melhora. Ele estava tossindo e se livrando da secreção, escapando assim da tão temida traqueostomia. Sua saúde estava se estabilizando. No final daquela semana, recebemos um presente que jamais imaginaríamos receber. Um dos padres da matriz vinha nos acompanhado fazia um tempo já. Ele nos visitava com frequência no hospital e sempre nos trazia palavras de fé. Na quinta-feira à noite, fomos na missa de solenidade da Imaculada Conceição e, nos avisos finais, ficamos sabendo que a imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida estava chegando em nossa cidade naquele mesmo dia, e que no dia seguinte ela seria recebida e colocada no altar durante a missa. Antes de nos mudarmos, morávamos muito próximo do santuário de Aparecida e íamos com frequência lá. Nós sentíamos muito próximos Dela e vínhamos consagrando nosso pequeno a Ela todo dia desde logo depois do acidente. Sabíamos que Ela estaria cuidando dele por nós. Na sexta pela manhã eu recebi uma mensagem do padre dizendo que gostaria de levar a imagem peregrina para visitar o pequeno na UTI. Eu mal podia acreditar! A visita mais especial que poderíamos esperar! Não bastasse isso, ele nos convidou para entrarmos na Igreja carregando a imagem até o altar. Nós não poderíamos nos sentir mais honrados! Há uma semana atrás nos sentíamos completamente abandonados, e agora parecia que o céu inteiro vinha em nosso socorro.
No dia seguinte, eu acordei cedo e fui para a UTI. Como minha barriga estava cada dia maior e dormir numa poltrona não era nada confortável, eles haviam permitido que eu dormisse toda noite numa enfermaria que ficava próxima à UTI. Naquele dia, quando entrei, vi uma série de enfermeiras passarem sorridentes pelo leito do pequeno. À medida que eu me aproximava, ouvia um som vindo de lá. O pequeno estava emitindo barulhos. Parecia um miadinho, um resmungo baixo de quem estava incomodado com alguma coisa. Meu coração se encheu de alegria! Ele não estava acordado e falando como nós esperávamos há tanto tempo, mas só de poder ouvir novamente a sua voz, era um bálsamo em meio a tanta saudade. Até os médicos que estavam de plantão ficaram surpresos com a manifestação do pequeno. E o resto do dia ele passou agitado, mexendo partes do corpo e murmurando. E nós passamos o dia com o coração em êxtase, acreditando plenamente que nosso pequeno acordaria a qualquer momento. À noite, minha irmã que tinha ido à missa com meu pai, veio me contar emocionada que o padre havia nos mencionado em seu sermão. Tinha falado da visita da imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida a alguns enfermos e em como ele havia ficado tocado com o tamanho da fé que um casal tão jovem havia mostrado nessa visita. Eu não estava acreditando no que eu ouvia. Na noite anterior o padre havia me mandado uma mensagem nos agradecendo pela experiência de fé vivida durante a visita da imagem. Eu li a mensagem atônita. Como pode uma pessoa que entrega a sua vida à fé agradecer a nós por uma vivência de fé?! Nós que há poucos dias questionávamos tudo que acreditávamos, que repetidas vezes havíamos nos perguntado se teríamos fé suficiente para presenciar um milagre de Deus. Como ele havia enxergado tamanha fé na gente se nem nós mesmos enxergávamos?!
Enquanto nós tentávamos manter os olhos erguidos para o alto e o coração em Deus, algumas situações acabavam nos trazendo de volta às circunstâncias que nos cercavam. Desde que o pequeno havia sido internado na UTI, ele era uma das únicas crianças do setor. A demanda em geral era de bebês prematuros, então tínhamos pouco contato com outras crianças do hospital. Mas fazia alguns dias que uma menina da idade do pequeno tinha sido transferida da pediatria para a UTI. Notamos a sua chegada assim que ela colocou os pés no setor: ela chorava cada vez que uma enfermeira se aproximava dela. Aliás, chorar é otimismo. Ela berrava desesperada aos prantos. Numa manhã, enquanto ouvia os berros da menina, eu simplesmente desabei. Desde que o pequeno havia nascido, nós fazíamos de tudo para que ele não chorasse. A missão de mães e pais no início da vida de seus pequenos é tentar decifrar os seus choros para poder então fazê-los parar de chorar. Nenhum pai ou mãe gosta de ver seu filho chorando e torce para que essa fase do choro passe logo. Nunca em toda minha vida eu achei que fosse sentir tanto a falta do som do choro do meu pequeno. E, enquanto a menina chorava desesperada e gritava pela sua mãe, eu me deixava tomar pelas lágrimas e pela dor de não saber se algum dia eu iria novamente ver meu pequeno chorando e chamando por mim...
Quando estávamos prestes a completar 1 mês do acidente, fomos transferidos da UTI para a pediatria. O quadro do pequeno havia se estabilizado. Ele não corria mais nenhum risco e não havia necessidade de mantê-lo sob constante supervisão dos médicos e das enfermeiras. Nós deveríamos estar felizes, mas não era assim que nos sentíamos. Havíamos acreditado de todo coração que ele acordaria a qualquer momento. Seu corpo havia se recuperado bem, ele agora não dependia mais de máquina nenhuma, apenas da sonda para se alimentar. Só faltava abrir os olhos. Mas a cada dia que passava a sentença dos médicos parecia ainda mais definitiva. Nosso milagre parecia tão perto e ao mesmo tempo tão distante. Enquanto nos preparávamos para a transferência de setor e nos despedíamos do lugar que havíamos passado as últimas quatro semanas - exatamente o mesmo tempo que havíamos passado na casa nova antes do acidente -, eu olhava para o meu pequeno e me perguntava se algum dia eu veria o brilho de seus olhos azuis novamente...

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Nota sobre o atual estado de saúde do pequeno: ele voltou a ser alimentado há alguns dias pela gastro e não teve nenhuma rejeição até agora. Deve ir para o quarto em breve e, em seguida, para casa.
Obs.: muitas pessoas me pedem notícias do pequeno. Tenho tentado escrever com mais frequência, mas me dividir entre ficar em casa cuidando da pequena e ir diariamente ao hospital para ver o pequeno tomam praticamente conta do meu dia inteiro...

UPDATE: pequeno já está no quarto! Logo depois que postei, recebi a notícia do respectivo de que eles haviam saído da UTI ;)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Breathe in. Breathe out.

UPDATES SOBRE A RIFA (19/07/2017):
Pessoal, felizmente as rifas que estavam sendo vendidas online já terminaram!! Agora só tem disponível rifa para ser comprada pessoalmente. Meus mais sinceros agradecimentos a todos que compraram, compartilharam e ajudaram a divulgar a nossa ação, foi um verdadeiro sucesso!! Estamos preparando ações futuras para ajudar o nosso pequeno, mais informações aqui.


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Naquele domingo de manhã, estava começando o tempo do advento. Tempo de espera e preparação para a chegada do Menino Jesus. Que tempo mais abençoado para esperar pelo meu menino! Na missa, durante o sermão, o padre explicava sobre como viver mais verdadeiramente esse momento e falou uma frase que parecia feita para mim. “Devemos ter o passado redimido, viver o presente plenamente e ter esperança no futuro”. Nunca na vida eu tinha precisado tanto me redimir do meu passado como agora. Mas como eu faria isso? Como eu me livraria da culpa que insistia em pesar em meus ombros? Será que Deus de fato me perdoava por ter falhado tão gravemente em cuidar do anjo que Ele tinha me dado de presente? Eu sabia que esse caminho da redenção seria longo, mas eu teria que cruzá-lo... Viver o presente plenamente. Esse era o nosso lema atual. Tínhamos nos prometido que viveríamos um dia de cada vez, sem pensar no que poderia acontecer dali um ou dois dias, ou até mesmo dali algumas horas. Até porque, pensar no dia seguinte, era pensar nas inúmeras possibilidades do que poderia vir a acontecer ao pequeno, incluindo as piores. Ter esperança no futuro. Era o que nós mais tínhamos no momento, esperança, fé. Ainda mais agora que aos poucos o pequeno vinha reagindo cada vez mais. Os movimentos sutis que ele fazia com as pernas, pés, cabeça e mãos pareciam cada vez mais sensíveis e frequentes. Às vezes ele chegava a reagir só pelo som de algum barulho, como a nossa voz, ou mesmo sem estímulo nenhum.
Só que o fato do pequeno escapar do pior prognóstico possível, não necessariamente significava que ficaria tudo bem. O outro diagnóstico dos médicos era tão ruim quanto, ou, para mim, pior ainda. Estado vegetativo. A morte seria bem difícil de aceitar. Eu sentiria saudades do pequeno todos os dias para o resto da minha vida. No seu lugar haveria um vazio impossível de ser preenchido. Eu jamais seria plena novamente. Mas haveria dentro de mim uma paz em saber que ele estaria num lugar infinitamente melhor do que o nosso. Ele estaria no céu, junto do Pai, desfrutando da vida eterna, onde um dia nos encontraríamos novamente. Pensar no meu pequeno numa cama para sempre era o oposto disso. Era saber que ele estaria sofrendo todos os dias para o resto da sua vida. Nosso pequeno tão ativo, tão acelerado, que sempre nos cansava só de pensar na quantidade de energia que ele tinha, preso no seu próprio corpinho. Isso era impossível de aceitar. Para mim, era tudo ou nada. Vida plena ou morte. Nós queríamos nada mais e nada menos do que o milagre concedido a Marta e Maria quando pediram por seu irmão Lázaro a Cristo.
Naquela noite fui dormir lembrando do meu aniversário. Nós já estávamos na casa nova há uns 10 dias. Minhas irmãs com seus respectivos, meu sobrinho e minha mãe vieram passar o final de semana conosco. No sábado fizemos um churrasco e eu pude chamar todos os meus amigos que moram próximo. Foi um dia delicioso, o tipo de comemoração que eu não tinha há anos, tendo em vista a distância dos nossos últimos endereços. O pequeno e meu sobrinho se esbaldaram de brincar juntos. E uma certa hora eles começaram a brincar perto da piscina. Eu alertava o pequeno sobre o perigo e o pedia para sair de perto e brincar em outro lugar. Mas ele insistia em continuar. Como ele não me deu ouvidos, tomei uma atitude drástica. Determinei que todos então ficaríamos dentro de casa para que ele aprendesse a me dar ouvidos. E passei um bom tempo tendo que lidar com um pequeno choroso e indignado com a minha solução. Naquela mesma noite eu sonhei com ele. Eu estava do lado da sua cama na UTI, ele acordava, me olhava, sentava-se e me estendia seus bracinhos. Enquanto eu o envolvia num abraço forte, ele dizia apenas duas palavras em meu ouvido: dicupa mamãe... Acordei com o coração aos pulos e corri para a sua cama. Me debrucei sobre ele e repeti sem parar que ele não precisava pedir desculpas, que nem eu nem o respectivo estávamos bravos com ele. Que ele era muito pequeno para entender porque eu pedia tanto para ele ficar longe da piscina. Que nós é que não devíamos ter o deixado tanto tempo sozinho e que iríamos cuidar melhor dele dali para frente. Minha vontade era de abraça-lo forte, envolver o pequeno em meus braços do mesmo modo que tinha feito no sonho, fazer com que ele se sentisse seguro novamente. E me perguntava quanto tempo demoraria até que eu pudesse enfim fazer isso...
Já estávamos completando 15 dias desde o acidente e nosso exército de fé não parava de crescer. Recebíamos mensagens o tempo inteiro de desconhecidos. Gente de todos os lugares e todo tipo de fé. Infinitos corações reunidos numa única crença: a recuperação do pequeno. Cada mensagem recebida era como uma injeção de ânimo e força em nós. Nos emocionava ver tanta gente comovida com a nossa dor, com a nossa causa. Deus não poderia ignorar tanta gente pedindo pelo nosso pequeno. Ele iria nos escutar. Ele iria nos atender. Mas às vezes, em algumas orações e mensagens, eu me deparava com uma frase que eu relutava em pronunciar: não seja feita a minha, mas a Tua vontade. Eu simplesmente não conseguia falar isso. E se a vontade Dele não fosse a mesma que a minha? Eu sentia em meu coração que eu tinha o direito e o dever de pedir exatamente o que eu queria, sem uma segunda opção. Se essa não fosse a vontade Dele, eu poderia tentar convencê-lo, por que não? Angustiada com isso, resolvi me abrir com o respectivo. E então, tomado por uma inspiração que só poderia ser divina, ele me lembrou de duas passagens da Bíblia que mostravam que era possível sim convencer a Deus de atender um pedido, mesmo quando não fosse essa a Sua vontade. Primeiro ele lembrou de como Maria intercedeu junto a Seu Filho, em Caná, na realização do seu primeiro milagre. Ele lhe falou que aquele ainda não era o momento, mas Ela o ignorou e insistiu, e Ele acabou cedendo e realizando o milagre a pedido da Mãe. Nossa Santa intercessora! E segundo, ele me lembrou da estrangeira que cruzou o caminho de Jesus e lhe pediu que expulsasse o demônio que havia tomado conta da sua filha. Jesus explicou-lhe que não iria lhe atender, pois tinha sido enviado para outro povo e não era certo que naquele momento Ele atendesse outros que não fizessem parte do povo escolhido. Ela insistiu e Ele ficou comovido com a sua fé, atendendo a seu pedido. Vai, tua fé lhe salvou. Não, eu não precisava me resignar, eu podia pedir sim. Insistir, até que Ele se comovesse com a minha fé.
Nos dias que se seguiram, começamos as nos preparar para uma prova de fogo que o pequeno iria enfrentar: a retirada do tubo respiratório. Antes de enfim retirá-lo, eles precisavam testá-lo, diminuindo aos poucos os parâmetros da ventilação mecânica, para ver se o pequeno iria compensar com esforço respiratório próprio. E ele passou com louvor nos testes. Na manhã que iriam retirar o tubo, estávamos cheios de esperança e nos colocamos ao seu lado conversando, chamando-o para brincar com a gente. Enumerávamos uma a uma as brincadeiras que ele mais gostava e convidávamos: acorda pequeno, vamos para casa brincar! Quanto mais a gente falava, mais ele se mexia na cama. Ía mexendo os pezinhos, pernas, braços, cabeça. Parecia querer se espreguiçar, ensaiando para enfim abrir os olhos e levantar da cama, como se nada tivesse acontecido. Ele não acordou e voltou a ficar quietinho. Mas em nossos corações sentíamos, tinha sido por muito pouco. Talvez o tubo estivesse impedindo ele de alguma forma. Toda vez que eu imaginava ele acordando entubado, eu me angustiava imaginando o desconforto que ele provavelmente iria sentir, com o desespero que iria tomar conta dele com uma coisa tão invasiva dentro da sua boca e garganta. Talvez fosse isso que faltasse. Talvez Deus, em sua infinita bondade, tenho guardado o momento do pequeno acordar para quando ele não estivesse mais preso a essa máquina. Agora não faltaria mais, o tubo seria finalmente retirado naquela tarde.
Voltamos cheios de ansiedade do almoço, esperando encontrar o pequeno extubado. Dito e feito. Lá estava ele, lindo, perfeito e sem máquina alguma presa nele. A boquinha livre e pronta para abrir o mais largo sorriso quando seus olhos se abrissem. Nos aproximamos e vimos que a sua respiração estava pesada, barulhenta. Lembrava muito o chiado que meu peito fazia durante as minhas crises de bronquite asmática. Ele parecia tão frágil e vulnerável respirando daquele jeito e aquilo me enchia de dor. Nos explicaram que era uma consequência do tempo de uso da ventilação mecânica. Que ela produzia como efeito colateral um pouco de secreção no pulmão e que o pequeno teria que, além de respirar por conta própria, dar um jeito de se livrar da secreção, seja pelo reflexo da tosse ou da deglutição. Até então ele não tinha tossido nem engolido. Mas ele iria, eu tinha certeza disso. Mais tarde, naquele mesmo dia, os médicos voltaram para analisar o pequeno. O semblante era de preocupação. O pequeno não havia mostrado nenhum sinal de que estava tentando se livrar da secreção. Talvez fosse preciso fazer uma traqueostomia nele. Iriam esperar alguns dias para ter certeza, mas a situação mostrava que era bem provável que isso acontecesse. Talvez aquele fosse o momento de começarmos a pensar em como seria a vida do pequeno dali para frente. Se ele passaria a residir no hospital ou se montaríamos uma estrutura de hospital em casa. O fato era que ele iria precisar de toda uma estrutura para comportar esse novo estado de vida vegetativo dele. Cada palavra ouvida entrava em meu coração como mil lâminas de espadas. Calma. Para tudo. Como assim?!? Ele acabou de tirar o tubo, começamos o dia certos de que ele iria acordar todo serelepe e agora estávamos ali ouvindo sobre como seria a vida do nosso pequeno para sempre acamado e dependente. Não é real isso, não pode ser. Olhei incrédula para os médicos e perguntei: mas não existe chance dele melhorar? Se fosse para isso acontecer, já teria acontecido a essa altura do campeonato. O que vocês estão me dizendo é que meu filho nunca mais irá nem ao menos acordar? Muito difícil que isso aconteça, mãe.

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Nota sobre o atual estado de saúde do pequeno: ele continua na UTI se recuperando das complicações pós-cirúrgicas da gastrostomia. Dessa vez, uma úlcera no estômago está o impedindo de receber a dieta da maneira como deveria. Está sendo tratado e em breve devem retomar a alimentação pela gastro. Apenas isso atualmente nos impede de voltar para casa. Se ele conseguir se alimentar regularmente pela sonda, poderá enfim ter alta hospitalar.
A pequena finalmente chegou.
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