quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Difícil não é impossível.

Os dias que se seguiram a nossa conversa com os médicos depois da retirada do tubo respiratório foram de muita treva. Eu não podia acreditar que meu maior pesadelo desde que o acidente tinha acontecido estava se concretizando. A hipótese do pequeno para sempre numa cama tinha passado pela minha cabeça algumas vezes mas eu tinha afastado antes mesmo que o pensamento se concluísse. Nós tentávamos nos manter firmes na fé, mas as palavras dos médicos ressoavam em nossa cabeça. "Muito difícil". Naquela tarde de sábado, deixamos o pequeno com uma das avós e fomos para casa tomar banho. Foi quando enfim desmoronamos. Nos deitamos no quarto do pequeno e choramos juntos. Por que Deus tinha nos abandonado dessa maneira? Será que Ele não tinha escutado a nenhuma das minhas orações? Eu lembro tão bem, quando o respectivo veio procurar a casa onde iríamos morar, eu tinha me apaixonado por essa e pedi que ele fizesse o possível para consegui-la. Mas já tinha um casal que havia entregado a documentação e estavam quase fechando o contrato. Lembro que quando o respectivo me falou isso eu fiquei muito decepcionada. Em todas as mudanças que fizemos, quando eu gosto muito de uma casa e ela não dá certo, eu tendo a não me satisfazer com mais nenhuma. Mas então, logo depois de desligar o telefone, eu fiz uma pequena prece. Disse a Deus que se Ele tivesse um bom motivo para nos afastar dessa casa, uma tragédia ou algo assim, que eu entenderia e não ficaria frustrada, e que eu aceitaria o novo lar que Ele tinha preparado para nós, seja ele qual fosse. Uns dias depois, conseguimos alugar a casa.
Eu me sentia tão ignorada naquele momento. Sabia que nós nunca tínhamos sido modelos de santidade ou cristãos exemplares. Mas nós tínhamos buscado manter Deus sempre presente em nossas vidas, na nossa família. Nós sempre tivemos plena consciência da bondade Dele para conosco, agradecíamos sempre pelas graças que Ele nos dava, principalmente pela família perfeita que Ele tinha nos permitido formar. O que nós tínhamos feito para merecer isso? Nosso pequeno tão perfeito, a quem a gente amava tanto, o que ele tinha feito para merecer isso? Deus tinha tido duas oportunidades desde o acidente para levar nosso filho embora e recebê-lo em Seus braços como um anjo, por que permitir que ele ficasse aqui e vivesse uma vida tão limitada? Aceitar isso é acreditar que Deus não existe. E acreditar que Deus não existe é negar toda a minha vida, todo o meu ser, confessei ao respectivo. Não, nós não iríamos aceitar isso. Nosso Deus é o Deus do impossível. Ele tinha nos guiado e nos permitido salvar nosso pequeno. Ele não iria nos abandonar agora, tínhamos certeza disso.
No domingo cedo, respectivo ficou na UTI e eu fui à missa com a minha família. Mal consegui ouvir uma palavra dita durante a celebração. O tempo que fiquei lá, passei chorando e questionando Deus por todas as coisas que estavam acontecendo. Por que Ele tinha permitido que isso acontecesse ao pequeno e a nós? Por que Ele não tinha afastado a casa de nós? Por que as grades não tinham sido instaladas no prazo combinado? Que motivo Ele tinha para justificar tamanha cruz na nossa vida? Eu tinha pedido a Ele, que levasse o pequeno, mas não o deixasse assim tão incapacitado. Por que nem isso Ele tinha atendido?
Passei o dia tomada pela dor e pela dúvida. Havia pouco espaço em mim para a fé naquele momento. Respectivo também tentava se reerguer mas, assim como eu, era puxado para baixo pela angústia de cada um dos questionamentos que não parávamos de fazer. Foi então que, naquela noite, eu recebi uma mensagem que mudou completamente a nossa forma de enxergar o que estava acontecendo conosco e com o pequeno. Minha irmã, após receber de uma conhecida, me mandou um link de um site onde havia diversos testemunhos de curas milagrosas. E onde havia uma mensagem que simplesmente respondia todos os questionamentos que havíamos feito naqueles dois dias de trevas. A mensagem falava de um Deus amoroso, não distante como tínhamos o costume de pensar, mas de um Pai muito próximo de nós, que não só conhece a nossa dor mas a sente junto conosco, por sermos seus filhos amados. Um Deus que não só escuta nossas preces mas que anseia em nos atender. Atender a todos os que os buscam, sem predileções. Um Deus que não nos "castiga" com doenças ou situações difíceis, mas que nos ama tanto que enviou o Seu Filho para nos salvar. E o que Ele espera de nós? Gratidão. Fé. Confiança. Depois de receber a mensagem, meu coração ficou leve, tomado de uma paz inexplicável. Nada do que os médicos haviam falado me incomodava mais. Tudo iria acabar bem. Nós havíamos passado o final de semana inteiro questionando Deus, e Ele simplesmente havia respondido todas as nossas dúvidas. Ele está do nosso lado, tínhamos certeza disso.
Durante os dias que se seguiram, o pequeno começou a apresentar uma boa melhora. Ele estava tossindo e se livrando da secreção, escapando assim da tão temida traqueostomia. Sua saúde estava se estabilizando. No final daquela semana, recebemos um presente que jamais imaginaríamos receber. Um dos padres da matriz vinha nos acompanhado fazia um tempo já. Ele nos visitava com frequência no hospital e sempre nos trazia palavras de fé. Na quinta-feira à noite, fomos na missa de solenidade da Imaculada Conceição e, nos avisos finais, ficamos sabendo que a imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida estava chegando em nossa cidade naquele mesmo dia, e que no dia seguinte ela seria recebida e colocada no altar durante a missa. Antes de nos mudarmos, morávamos muito próximo do santuário de Aparecida e íamos com frequência lá. Nós sentíamos muito próximos Dela e vínhamos consagrando nosso pequeno a Ela todo dia desde logo depois do acidente. Sabíamos que Ela estaria cuidando dele por nós. Na sexta pela manhã eu recebi uma mensagem do padre dizendo que gostaria de levar a imagem peregrina para visitar o pequeno na UTI. Eu mal podia acreditar! A visita mais especial que poderíamos esperar! Não bastasse isso, ele nos convidou para entrarmos na Igreja carregando a imagem até o altar. Nós não poderíamos nos sentir mais honrados! Há uma semana atrás nos sentíamos completamente abandonados, e agora parecia que o céu inteiro vinha em nosso socorro.
No dia seguinte, eu acordei cedo e fui para a UTI. Como minha barriga estava cada dia maior e dormir numa poltrona não era nada confortável, eles haviam permitido que eu dormisse toda noite numa enfermaria que ficava próxima à UTI. Naquele dia, quando entrei, vi uma série de enfermeiras passarem sorridentes pelo leito do pequeno. À medida que eu me aproximava, ouvia um som vindo de lá. O pequeno estava emitindo barulhos. Parecia um miadinho, um resmungo baixo de quem estava incomodado com alguma coisa. Meu coração se encheu de alegria! Ele não estava acordado e falando como nós esperávamos há tanto tempo, mas só de poder ouvir novamente a sua voz, era um bálsamo em meio a tanta saudade. Até os médicos que estavam de plantão ficaram surpresos com a manifestação do pequeno. E o resto do dia ele passou agitado, mexendo partes do corpo e murmurando. E nós passamos o dia com o coração em êxtase, acreditando plenamente que nosso pequeno acordaria a qualquer momento. À noite, minha irmã que tinha ido à missa com meu pai, veio me contar emocionada que o padre havia nos mencionado em seu sermão. Tinha falado da visita da imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida a alguns enfermos e em como ele havia ficado tocado com o tamanho da fé que um casal tão jovem havia mostrado nessa visita. Eu não estava acreditando no que eu ouvia. Na noite anterior o padre havia me mandado uma mensagem nos agradecendo pela experiência de fé vivida durante a visita da imagem. Eu li a mensagem atônita. Como pode uma pessoa que entrega a sua vida à fé agradecer a nós por uma vivência de fé?! Nós que há poucos dias questionávamos tudo que acreditávamos, que repetidas vezes havíamos nos perguntado se teríamos fé suficiente para presenciar um milagre de Deus. Como ele havia enxergado tamanha fé na gente se nem nós mesmos enxergávamos?!
Enquanto nós tentávamos manter os olhos erguidos para o alto e o coração em Deus, algumas situações acabavam nos trazendo de volta às circunstâncias que nos cercavam. Desde que o pequeno havia sido internado na UTI, ele era uma das únicas crianças do setor. A demanda em geral era de bebês prematuros, então tínhamos pouco contato com outras crianças do hospital. Mas fazia alguns dias que uma menina da idade do pequeno tinha sido transferida da pediatria para a UTI. Notamos a sua chegada assim que ela colocou os pés no setor: ela chorava cada vez que uma enfermeira se aproximava dela. Aliás, chorar é otimismo. Ela berrava desesperada aos prantos. Numa manhã, enquanto ouvia os berros da menina, eu simplesmente desabei. Desde que o pequeno havia nascido, nós fazíamos de tudo para que ele não chorasse. A missão de mães e pais no início da vida de seus pequenos é tentar decifrar os seus choros para poder então fazê-los parar de chorar. Nenhum pai ou mãe gosta de ver seu filho chorando e torce para que essa fase do choro passe logo. Nunca em toda minha vida eu achei que fosse sentir tanto a falta do som do choro do meu pequeno. E, enquanto a menina chorava desesperada e gritava pela sua mãe, eu me deixava tomar pelas lágrimas e pela dor de não saber se algum dia eu iria novamente ver meu pequeno chorando e chamando por mim...
Quando estávamos prestes a completar 1 mês do acidente, fomos transferidos da UTI para a pediatria. O quadro do pequeno havia se estabilizado. Ele não corria mais nenhum risco e não havia necessidade de mantê-lo sob constante supervisão dos médicos e das enfermeiras. Nós deveríamos estar felizes, mas não era assim que nos sentíamos. Havíamos acreditado de todo coração que ele acordaria a qualquer momento. Seu corpo havia se recuperado bem, ele agora não dependia mais de máquina nenhuma, apenas da sonda para se alimentar. Só faltava abrir os olhos. Mas a cada dia que passava a sentença dos médicos parecia ainda mais definitiva. Nosso milagre parecia tão perto e ao mesmo tempo tão distante. Enquanto nos preparávamos para a transferência de setor e nos despedíamos do lugar que havíamos passado as últimas quatro semanas - exatamente o mesmo tempo que havíamos passado na casa nova antes do acidente -, eu olhava para o meu pequeno e me perguntava se algum dia eu veria o brilho de seus olhos azuis novamente...

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Nota sobre o atual estado de saúde do pequeno: ele voltou a ser alimentado há alguns dias pela gastro e não teve nenhuma rejeição até agora. Deve ir para o quarto em breve e, em seguida, para casa.
Obs.: muitas pessoas me pedem notícias do pequeno. Tenho tentado escrever com mais frequência, mas me dividir entre ficar em casa cuidando da pequena e ir diariamente ao hospital para ver o pequeno tomam praticamente conta do meu dia inteiro...

UPDATE: pequeno já está no quarto! Logo depois que postei, recebi a notícia do respectivo de que eles haviam saído da UTI ;)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Breathe in. Breathe out.

UPDATES SOBRE A RIFA (19/07/2017):
Pessoal, felizmente as rifas que estavam sendo vendidas online já terminaram!! Agora só tem disponível rifa para ser comprada pessoalmente. Meus mais sinceros agradecimentos a todos que compraram, compartilharam e ajudaram a divulgar a nossa ação, foi um verdadeiro sucesso!! Estamos preparando ações futuras para ajudar o nosso pequeno, mais informações aqui.


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Naquele domingo de manhã, estava começando o tempo do advento. Tempo de espera e preparação para a chegada do Menino Jesus. Que tempo mais abençoado para esperar pelo meu menino! Na missa, durante o sermão, o padre explicava sobre como viver mais verdadeiramente esse momento e falou uma frase que parecia feita para mim. “Devemos ter o passado redimido, viver o presente plenamente e ter esperança no futuro”. Nunca na vida eu tinha precisado tanto me redimir do meu passado como agora. Mas como eu faria isso? Como eu me livraria da culpa que insistia em pesar em meus ombros? Será que Deus de fato me perdoava por ter falhado tão gravemente em cuidar do anjo que Ele tinha me dado de presente? Eu sabia que esse caminho da redenção seria longo, mas eu teria que cruzá-lo... Viver o presente plenamente. Esse era o nosso lema atual. Tínhamos nos prometido que viveríamos um dia de cada vez, sem pensar no que poderia acontecer dali um ou dois dias, ou até mesmo dali algumas horas. Até porque, pensar no dia seguinte, era pensar nas inúmeras possibilidades do que poderia vir a acontecer ao pequeno, incluindo as piores. Ter esperança no futuro. Era o que nós mais tínhamos no momento, esperança, fé. Ainda mais agora que aos poucos o pequeno vinha reagindo cada vez mais. Os movimentos sutis que ele fazia com as pernas, pés, cabeça e mãos pareciam cada vez mais sensíveis e frequentes. Às vezes ele chegava a reagir só pelo som de algum barulho, como a nossa voz, ou mesmo sem estímulo nenhum.
Só que o fato do pequeno escapar do pior prognóstico possível, não necessariamente significava que ficaria tudo bem. O outro diagnóstico dos médicos era tão ruim quanto, ou, para mim, pior ainda. Estado vegetativo. A morte seria bem difícil de aceitar. Eu sentiria saudades do pequeno todos os dias para o resto da minha vida. No seu lugar haveria um vazio impossível de ser preenchido. Eu jamais seria plena novamente. Mas haveria dentro de mim uma paz em saber que ele estaria num lugar infinitamente melhor do que o nosso. Ele estaria no céu, junto do Pai, desfrutando da vida eterna, onde um dia nos encontraríamos novamente. Pensar no meu pequeno numa cama para sempre era o oposto disso. Era saber que ele estaria sofrendo todos os dias para o resto da sua vida. Nosso pequeno tão ativo, tão acelerado, que sempre nos cansava só de pensar na quantidade de energia que ele tinha, preso no seu próprio corpinho. Isso era impossível de aceitar. Para mim, era tudo ou nada. Vida plena ou morte. Nós queríamos nada mais e nada menos do que o milagre concedido a Marta e Maria quando pediram por seu irmão Lázaro a Cristo.
Naquela noite fui dormir lembrando do meu aniversário. Nós já estávamos na casa nova há uns 10 dias. Minhas irmãs com seus respectivos, meu sobrinho e minha mãe vieram passar o final de semana conosco. No sábado fizemos um churrasco e eu pude chamar todos os meus amigos que moram próximo. Foi um dia delicioso, o tipo de comemoração que eu não tinha há anos, tendo em vista a distância dos nossos últimos endereços. O pequeno e meu sobrinho se esbaldaram de brincar juntos. E uma certa hora eles começaram a brincar perto da piscina. Eu alertava o pequeno sobre o perigo e o pedia para sair de perto e brincar em outro lugar. Mas ele insistia em continuar. Como ele não me deu ouvidos, tomei uma atitude drástica. Determinei que todos então ficaríamos dentro de casa para que ele aprendesse a me dar ouvidos. E passei um bom tempo tendo que lidar com um pequeno choroso e indignado com a minha solução. Naquela mesma noite eu sonhei com ele. Eu estava do lado da sua cama na UTI, ele acordava, me olhava, sentava-se e me estendia seus bracinhos. Enquanto eu o envolvia num abraço forte, ele dizia apenas duas palavras em meu ouvido: dicupa mamãe... Acordei com o coração aos pulos e corri para a sua cama. Me debrucei sobre ele e repeti sem parar que ele não precisava pedir desculpas, que nem eu nem o respectivo estávamos bravos com ele. Que ele era muito pequeno para entender porque eu pedia tanto para ele ficar longe da piscina. Que nós é que não devíamos ter o deixado tanto tempo sozinho e que iríamos cuidar melhor dele dali para frente. Minha vontade era de abraça-lo forte, envolver o pequeno em meus braços do mesmo modo que tinha feito no sonho, fazer com que ele se sentisse seguro novamente. E me perguntava quanto tempo demoraria até que eu pudesse enfim fazer isso...
Já estávamos completando 15 dias desde o acidente e nosso exército de fé não parava de crescer. Recebíamos mensagens o tempo inteiro de desconhecidos. Gente de todos os lugares e todo tipo de fé. Infinitos corações reunidos numa única crença: a recuperação do pequeno. Cada mensagem recebida era como uma injeção de ânimo e força em nós. Nos emocionava ver tanta gente comovida com a nossa dor, com a nossa causa. Deus não poderia ignorar tanta gente pedindo pelo nosso pequeno. Ele iria nos escutar. Ele iria nos atender. Mas às vezes, em algumas orações e mensagens, eu me deparava com uma frase que eu relutava em pronunciar: não seja feita a minha, mas a Tua vontade. Eu simplesmente não conseguia falar isso. E se a vontade Dele não fosse a mesma que a minha? Eu sentia em meu coração que eu tinha o direito e o dever de pedir exatamente o que eu queria, sem uma segunda opção. Se essa não fosse a vontade Dele, eu poderia tentar convencê-lo, por que não? Angustiada com isso, resolvi me abrir com o respectivo. E então, tomado por uma inspiração que só poderia ser divina, ele me lembrou de duas passagens da Bíblia que mostravam que era possível sim convencer a Deus de atender um pedido, mesmo quando não fosse essa a Sua vontade. Primeiro ele lembrou de como Maria intercedeu junto a Seu Filho, em Caná, na realização do seu primeiro milagre. Ele lhe falou que aquele ainda não era o momento, mas Ela o ignorou e insistiu, e Ele acabou cedendo e realizando o milagre a pedido da Mãe. Nossa Santa intercessora! E segundo, ele me lembrou da estrangeira que cruzou o caminho de Jesus e lhe pediu que expulsasse o demônio que havia tomado conta da sua filha. Jesus explicou-lhe que não iria lhe atender, pois tinha sido enviado para outro povo e não era certo que naquele momento Ele atendesse outros que não fizessem parte do povo escolhido. Ela insistiu e Ele ficou comovido com a sua fé, atendendo a seu pedido. Vai, tua fé lhe salvou. Não, eu não precisava me resignar, eu podia pedir sim. Insistir, até que Ele se comovesse com a minha fé.
Nos dias que se seguiram, começamos as nos preparar para uma prova de fogo que o pequeno iria enfrentar: a retirada do tubo respiratório. Antes de enfim retirá-lo, eles precisavam testá-lo, diminuindo aos poucos os parâmetros da ventilação mecânica, para ver se o pequeno iria compensar com esforço respiratório próprio. E ele passou com louvor nos testes. Na manhã que iriam retirar o tubo, estávamos cheios de esperança e nos colocamos ao seu lado conversando, chamando-o para brincar com a gente. Enumerávamos uma a uma as brincadeiras que ele mais gostava e convidávamos: acorda pequeno, vamos para casa brincar! Quanto mais a gente falava, mais ele se mexia na cama. Ía mexendo os pezinhos, pernas, braços, cabeça. Parecia querer se espreguiçar, ensaiando para enfim abrir os olhos e levantar da cama, como se nada tivesse acontecido. Ele não acordou e voltou a ficar quietinho. Mas em nossos corações sentíamos, tinha sido por muito pouco. Talvez o tubo estivesse impedindo ele de alguma forma. Toda vez que eu imaginava ele acordando entubado, eu me angustiava imaginando o desconforto que ele provavelmente iria sentir, com o desespero que iria tomar conta dele com uma coisa tão invasiva dentro da sua boca e garganta. Talvez fosse isso que faltasse. Talvez Deus, em sua infinita bondade, tenho guardado o momento do pequeno acordar para quando ele não estivesse mais preso a essa máquina. Agora não faltaria mais, o tubo seria finalmente retirado naquela tarde.
Voltamos cheios de ansiedade do almoço, esperando encontrar o pequeno extubado. Dito e feito. Lá estava ele, lindo, perfeito e sem máquina alguma presa nele. A boquinha livre e pronta para abrir o mais largo sorriso quando seus olhos se abrissem. Nos aproximamos e vimos que a sua respiração estava pesada, barulhenta. Lembrava muito o chiado que meu peito fazia durante as minhas crises de bronquite asmática. Ele parecia tão frágil e vulnerável respirando daquele jeito e aquilo me enchia de dor. Nos explicaram que era uma consequência do tempo de uso da ventilação mecânica. Que ela produzia como efeito colateral um pouco de secreção no pulmão e que o pequeno teria que, além de respirar por conta própria, dar um jeito de se livrar da secreção, seja pelo reflexo da tosse ou da deglutição. Até então ele não tinha tossido nem engolido. Mas ele iria, eu tinha certeza disso. Mais tarde, naquele mesmo dia, os médicos voltaram para analisar o pequeno. O semblante era de preocupação. O pequeno não havia mostrado nenhum sinal de que estava tentando se livrar da secreção. Talvez fosse preciso fazer uma traqueostomia nele. Iriam esperar alguns dias para ter certeza, mas a situação mostrava que era bem provável que isso acontecesse. Talvez aquele fosse o momento de começarmos a pensar em como seria a vida do pequeno dali para frente. Se ele passaria a residir no hospital ou se montaríamos uma estrutura de hospital em casa. O fato era que ele iria precisar de toda uma estrutura para comportar esse novo estado de vida vegetativo dele. Cada palavra ouvida entrava em meu coração como mil lâminas de espadas. Calma. Para tudo. Como assim?!? Ele acabou de tirar o tubo, começamos o dia certos de que ele iria acordar todo serelepe e agora estávamos ali ouvindo sobre como seria a vida do nosso pequeno para sempre acamado e dependente. Não é real isso, não pode ser. Olhei incrédula para os médicos e perguntei: mas não existe chance dele melhorar? Se fosse para isso acontecer, já teria acontecido a essa altura do campeonato. O que vocês estão me dizendo é que meu filho nunca mais irá nem ao menos acordar? Muito difícil que isso aconteça, mãe.

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Nota sobre o atual estado de saúde do pequeno: ele continua na UTI se recuperando das complicações pós-cirúrgicas da gastrostomia. Dessa vez, uma úlcera no estômago está o impedindo de receber a dieta da maneira como deveria. Está sendo tratado e em breve devem retomar a alimentação pela gastro. Apenas isso atualmente nos impede de voltar para casa. Se ele conseguir se alimentar regularmente pela sonda, poderá enfim ter alta hospitalar.
A pequena finalmente chegou.
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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Raios de luz em meio à escuridão.

UPDATES SOBRE A RIFA (19/07/2017):
Pessoal, felizmente as rifas que estavam sendo vendidas online já terminaram!! Agora só tem disponível rifa para ser comprada pessoalmente. Meus mais sinceros agradecimentos a todos que compraram, compartilharam e ajudaram a divulgar a nossa ação, foi um verdadeiro sucesso!! Estamos preparando ações futuras para ajudar o nosso pequeno, mais informações aqui.


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Desde o dia do acidente, eu e o respectivo estávamos passando o dia inteiro no hospital e eu sempre voltava para casa para dormir à noite. A ideia inicial era de que eu dormiria com o pequeno, mas como no leito da UTI não tinha cama para o acompanhante, apenas poltronas, e eu já estava num estágio avançado da gestação, decidimos que o respectivo ficaria com ele. O que acabou mudando no dia anterior, quando tivemos a segunda conversa com os médicos sobre a tomo. Qualquer momento poderia ser o último e ninguém me faria sair dali. Naquela noite, depois de chorar tudo o que eu conseguia chorar com a minha irmã do lado de fora do hospital, eu dormi terrivelmente mal. Como eu teria forças para ficar ali, hora após hora, esperando o pior acontecer? Eu tinha decidido não dividir o que estava se passando dentro de mim com o respectivo, ele não via o que eu via. Ele estava tão certo da recuperação do pequeno e tão cheio de fé, que achei injusto tirar isso dele me abrindo. Foi uma noite de silêncio, angústia e pesadelos. Mas, quando o dia amanheceu, eu decidi que eu não suportaria aquilo. Não suportaria ficar ali parada esperando. O pequeno ainda estava ali, o pouco que havia dele ainda lutava para viver. Eu tinha que lutar com ele. Eu tinha que ter fé. Fiz então algo que há alguns dias eu vinha querendo fazer, mas tinha vergonha até de mim mesma por sentir essa necessidade. Entrei no google e digitei três palavras: “lesão cerebral milagre”. Eu precisava saber que era possível. Mais do que isso, eu precisava saber que já tinha acontecido com alguém. E tinha. Com várias pessoas. Me vi lendo inúmeros relatos de pessoas que haviam voltado à vida e se recuperado depois de um diagnóstico definitivo. Se era possível, se já tinha acontecido, então havia esperança. Enquanto houvesse vida, haveria esperança. Foi o que eu e o respectivo dissemos um ao outro depois que eu decidi não me entregar à dor novamente. Se o pior acontecesse, nós teríamos uma vida inteira para lidar com isso. Vocês tem que estar cientes e se preparar para o pior, era o que nos diziam. Mas a verdade é que nada poderia de fato nos preparar para uma dor desse tipo. Então, por que perder tempo se preparando para o pior se nós poderíamos aproveitar que o pequeno continuava entre nós para ter fé na sua recuperação?
Nós buscávamos alimentar nossa fé com diversos momentos de oração ao longo do dia. Até mesmo de madrugada. Logo que a família ficou sabendo do acidente com o pequeno, eles se organizaram num plantão 24h de terço para ele. A cada hora, havia alguém rezando. Eu tinha assumido o horário das 4h da madrugada. Estava acostumada a acordar por volta desse horário para atender o pequeno, ele ainda costumava pedir uma mamadeira no meio da maioria das noites. Mas acordar e entregar a mamadeira era uma coisa. Conseguir se manter acordada rezando um terço inteiro, era outra história. Eu pescava várias vezes até conseguir chegar ao fim. Nessa madrugada, em especial, eu não estava durando nem cinco contas acordada. Já era quase cinco da manhã e eu não tinha conseguido terminar. Foi quando meu celular tocou avisando que eu tinha recebido uma mensagem. De um número desconhecido, um dos tantos soldados do nosso exército de orações. Dizia apenas: “estamos rezando juntas”. Era o que bastava. O sono passou na hora e eu fiz cada prece com ainda mais força. Quando voltei a dormir, tive o primeiro sonho com o pequeno desde o dia do acidente. Ele estava no balanço, só de fralda. Um sorriso largo, lindo e iluminado em seu rosto. Dava gargalhadas enquanto eu o balançava. Foi a primeira vez que consegui dormir em paz.
Durante o dia que se seguiu, os médicos voltaram ao leito para avaliar o pequeno. O diagnóstico permanecia. Mas, ao invés de ser deixar abater pelas palavras duras como havia acontecido há dois dias, respectivo se manteve firme. Eu o assisti, boquiaberta, falar de fé para uma plateia cética. Falar que Deus iria reverter aquele quadro. A admiração que seu senti por ele naquele momento é algo que guardarei para sempre em meu coração. Por que eu não conseguia ter a mesma coragem que ele? Por que eu me sentia tão desarmada diante do ceticismo alheio? Foi quando percebi consternada que, apesar da minha fé ser uma parte tão fundamental de mim, ainda assim eu sentia vergonha de assumir isso aos outros. Eu não podia continuar assim. Afinal, de que vale uma fé silenciosa? Fé sem testemunho é de fato fé? Depois, fomos até a capela do hospital rezar. Cada um teve o seu momento a sós com Deus e então decidimos ler juntos um salmo. Escolhemos um ao acaso e nos deparamos com o 31. Cada palavra falava diretamente ao meu coração. Era como se alguém tivesse visto meus mais íntimos pensamentos e sentimentos e os transformado na mais linda oração. “Não seja eu envergonhado, ó Senhor, porque te invoco”. Amém, mil vezes amém! Que eu não sinta vergonha jamais de clamar Teu Santo nome em voz alta, de bradar aos ventos a minha fé e confiança em Ti. Repeti e guardei cada palavra lida no meu coração e prometi a mim mesma reler esse salmo tantas vezes quantas fossem necessárias. Não teria mais vergonha de professar a minha fé, eu estava determinada. Mais uma vez, Pedro me vinha à mente. Pedro e a sua negação. Também ele havia negado, não por vergonha, mas por medo. Ainda assim, nós dois havíamos negado perante um público hostil. E, apesar da sua fraqueza, Pedro havia visto a glória de Deus no Cristo ressuscitado. Meu Deus, eu Lhe suplico, Lhe imploro, que também eu possa ver a Sua glória apesar da minha fraqueza...
Na manhã do dia seguinte, uma sexta-feira, acordei mais cedo do que o comum e fiquei do ladinho do pequeno, conversando. Não demorou muito e as enfermeiras entraram para fazer os procedimentos rotineiros daquele horário, checar os sinais vitais, fralda, etc. Uma das coisas que elas sempre checavam era a pupila dele. Desde que as mesmas haviam parado de reagir, eu tinha me prometido não olhar mais. Me deixava angustiada vê-las tão dilatadas e acabei prometendo a mim mesma que eu só as veria de novo quando ele abrisse os olhos. Saí de perto dele para que elas pudessem fazer o seu trabalho e me mantive virada de costas, rezando. Em seguida elas saíram do quarto conversando sobre os sinais checados. Várias palavras foram ditas, mas apenas uma chegou aos meus ouvidos: miótica. Quando os médicos nos explicaram o quadro do Arthur, nos falaram que as suas pupilas encontravam-se midriáticas e que isso não era bom. Aliás, era um sinal ruim de um quadro grave. Pesquisando sobre o assunto, descobrimos que o que nós queríamos era que elas estivessem mióticas, que esse seria um excelente sinal de melhora e resposta cerebral. Exatamente a palavra que eu tinha ouvido sem querer naquela manhã. Com o coração aos pulos, fiquei de pé do lado da cama, apenas olhando para o pequeno. Ele estava melhorando! Foi então que eu vi seu corpinho se mexer: a cabeça, os ombros e o pé. Como se ele estivesse se ajeitando na cama. Foi muito rápido e sutil, mas eu tinha certeza absoluta do que eu tinha visto. Ele estava mesmo melhorando! Meu coração se enchia cada vez mais de alegria.
Em seguida nós tivemos que sair da UTI, tinham conseguido para mim uma consulta com uma obstetra (desde a mudança eu não tinha conseguido marcar com nenhuma na cidade) e ela estava me esperando ali mesmo no hospital, onde ela costumava fazer plantão. Já sabíamos que ela conhecia a situação do pequeno, tinha sido o motivo principal pelo qual ela tinha concordado em fazer a consulta ali mesmo, mas se tivéssemos alguma dúvida do quanto ela sabia, a certeza viria nos primeiros minutos de conversa. Ela logo começou perguntando como eu estava e dizendo que se eu precisasse ela poderia me receitar algum antidepressivo. Aquilo me pegou de surpresa. Antidepressivo? Por que eu iria querer tomar antidepressivo? A consulta deve ter demorando umas 2 horas. Acabamos conversando muito mais sobre o pequeno do que sobre mim, a barriga ou a pequena. Ela não só sabia sobre o pequeno, como sabia também da melhora dele naquela manhã. As notícias estavam correndo. Então, logo antes de terminar a consulta, ela falou algo que eu jamais esperava ouvir: “Eu não acredito que estou diante de dois pais cujo filho está na UTI. Se isso tudo é fé, então eu quero conhecer essa fé”. Eu fiquei sem palavras. Era por isso então que ela tinha me perguntado sobre os antidepressivos. Aquela nossa postura de acreditar que tudo iria ficar bem tinha se tornado tão natural para nós que não sabíamos mais como seria viver aquela situação esperando pelo pior. E era assim que as pessoas imaginavam que nos encontrariam, esperando pelo pior. Eu já tinha feito isso por algumas horas, não iria me permitir fazer de novo.
Quando estávamos retornando à UTI, uma surpresa: o Arthur tinha sido levado para fazer uma novo tomo. Meu coração parou. Não, de novo não. Mas em seguida eu me dei conta: as pupilas! Eles estavam levando ele para checar como o cérebro estava depois de perceberem um sinal de melhora em seus olhos. O dia estava ficando cada vez melhor! De fato, tínhamos notado que as pessoas do hospital estavam começando a nos olhar e nos tratar de um jeito diferente. Antes, o sentimento de pesar era explícito. Agora, havia um otimismo no ar. Mais tarde, conversando com os médicos, descobrimos que de fato haviam melhoras sutis no quadro clínico do pequeno. Ainda tínhamos que esperar para ter ideia do quanto de fato ele iria melhorar, mas a sombra da morte parecia aos poucos se afastar de nós. Cada vez mais as trevas que haviam nos invadido estavam cedendo para a luz da fé.
Alguns dias antes, logo depois que tínhamos tido aquela conversa dura com os médicos, nós havíamos adotado o hábito de consagrar o pequeno toda manhã à Nossa Senhora. Sempre tive um carinho especial por Ela mas, depois de me tornar mãe, eu passei a recorrer ainda mais a Ela. Pedia sempre que Ela me guiasse e me ajudasse a ser uma mãe melhor para o pequeno. Que eu aprendesse com Ela a ter um coração manso e humilde. Agora, num momento tão difícil, eu sabia que Ela, mais do que ninguém, sabia a dor que eu estava vivendo e que Ela poderia nos aproximar ainda mais de Deus pela Sua intercessão. Naquela manhã de sábado, estávamos fazendo nosso ritual de consagração, quando vimos nosso pequeno reagir mais uma vez. Enquanto respectivo tocava de leve cada parte do seu corpo espalhando água benta sobre ele, ele tremia e se mexia todo. Depois, respectivo foi fazer um cafuné no cabelo dele e na mesma hora ele respondeu mexendo o pezinho. Cada vez mais a gente tinha certeza, ele estava voltando para nós! Mais tarde naquele dia, a enfermeira veio nos dizer que tinha conversado com os médicos e que eles haviam permitido que a gente ficasse com o pequeno no colo por alguns minutos. Eu não podia acreditar! Fazia pouco mais de 10 dias que eu não o pegava em meus braços e a última vez que eu o havia carregado tinha sido a pior de todas... Eu e o respectivo, um de cada vez, nos sentamos numa poltrona ao lado da cama e as enfermeiras acomodaram o pequeno em nossos braços. Não era fácil pegá-lo porque havia todo o equipamento que o mantinha estável, respirador, sonda, etc. Mas sentir seu corpo acompanhado do som da sua respiração e ver o seu rosto corado, aquilo era redenção. Aquela meia hora que pudemos cada um segurar nosso filho em seus braços levava para longe a memória do pior dia das nossas vidas. Tomada de uma emoção inexplicável, deixei as lágrimas tomarem conta de mim e levar embora toda a dor acumulada. Redenção, era só o que eu conseguia pensar. Quando o momento estava terminando, aproximei meu rosto do dele e falei que ele iria voltar para a cama, mas que aquele seria apenas o primeiro de muitos colos. Logo que eu terminei de falar, o pequeno começou a respirar forte e a mexer várias partes do corpo. Meu coração disparou e eu olhei para o respectivo. Ele também estava vendo aquilo. Pequeno parecia relutar em sair do meu colo! Aos poucos, ele foi se acalmando e as enfermeiras então o colocaram de volta na sua cama.
Aquela noite eu não podia estar mais feliz. Os dias anteriores tinham sido repletos de reações e pequenas melhoras do pequeno. Além disso, nós continuávamos a ser inundados com inúmeras mensagens de fé, nos fazendo sentir cada vez mais a presença de Deus junto de nós. Esse pesadelo iria acabar em breve, nós sentíamos isso. Com o coração em paz, antes de dormir, me aproximei do pequeno, falei o quanto eu o amava, que eu estava ali pertinho dele e que qualquer coisa que ele precisasse era só ele me chamar. E então, como uma flecha, uma imagem invadiu minha mente: o pequeno debaixo d’água, lutando contra a falta de ar e tentando desesperadamente pronunciar a palavra que ele prontamente falava quando sentia medo ou precisava de ajuda: mamãe. Ele provavelmente tentou te chamar, muitas e muitas vezes. Mas você não estava lá. E agora vocês estão aqui. Sem que eu tivesse qualquer chance de tentar me defender, vi a culpa voltar a tomar conta de mim numa fração de segundo, levando embora toda aquela paz pela qual meu coração havia lutado tanto nos últimos dias...

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Nota sobre o atual estado de saúde do pequeno: a semana que passou foi intensa e tumultuada. Por isso não consegui postar mais nada até então. Mais uma complicação pós-cirúrgica fez suspender a adaptação da dieta. Mais uma vez perdemos de vista a alta hospitalar. Pequeno já está se recuperando, mais uma vez. E nós, rezando mais uma vez para que essa seja enfim a última. A pequena preguiçosa segue na barriga.