segunda-feira, 17 de julho de 2017

Viral.

Começou sem pretensão, assim numa conversa entre tantas outras cotidianas. Na semana que antecedia a viagem do pequeno e do respectivo para os EUA testar um tratamento, nos demos conta do quão cara a viagem iria sair afinal. Nossa reserva está chegando no final, observou o respectivo. Ele não trabalha desde o ano passado. Abdicou da carreira para me acompanhar na nossa volta para Santa Catarina. Aproveitou um momento propício na empresa para sair com uma boa reserva e investir no seu próprio negócio. Ele estava começando a engatar bons projetos quando o acidente aconteceu. Sem hesitar, largou tudo para se dedicar aos cuidados do pequeno. Pela segunda vez, escolheu a família sem nem sequer precisar pensar no assunto. Desde então nos mantemos apenas com o meu trabalho. E conseguimos até agora nos virar de maneira tranquila. Mas as contas do tratamento começaram a chegar, a se empilhar na verdade. Reabilitação neurológica é uma coisa bem cara, descobrimos da maneira mais dura. A vontade que dá é de fazer tudo, sair testando tudo, até encontrar aquilo que vai trazer nosso pequeno de volta o melhor e o mais rápido possível. A nossa reserva era boa, mas não ilimitada. Precisávamos estudar muito para então começarmos a escolher nossas tentativas.
De um desses estudos, resultou essa viagem para os EUA*. Foi uma viagem cara, que nos custou boa parte da nossa reserva, mas que nos trouxe boas perspectivas. Pequeno reagiu como até então não havia reagido. Numa das sessões, tentou rolar de um lado para o outro algumas vezes. Eu, que fiquei aqui rezando de longe cada vez que o pequeno entrava numa sessão, já que a pequena ainda era muito nova para enfrentar as várias horas de voo, chorei igual criança quando respectivo me contou. Pequeno ficou lá por 3 semanas, tempo insuficiente para evoluir, mas suficiente para nos convencer de que essa é uma boa opção para seguir no tratamento dele. Tão boa que já temos engatadas duas outras viagens: uma para São Paulo e outra para a Argentina, ambos lugares onde encontramos possibilidades de dar continuidade ao tratamento iniciado nos EUA, que por enquanto ainda é uma opção cara demais para nós.
Mas, voltando àquela conversa de antes, chegamos a conclusão de que precisávamos pensar em maneiras de arrecadar dinheiro para custear os tratamentos do pequeno antes que precisássemos nos endividar. Tem a moto, ele me lembrou. Já fazia um tempo que o respectivo vinha tentando vender a sua moto, sem sucesso. Como uma última tentativa, anunciou num grupo de amigos. Nenhum interessado, mas uma sugestão: por que você não rifa a sua moto? Ideia dada e acatada, decidimos que essa seria a nossa primeira ação. Apenas para cobrir os gastos que teríamos com essa viagem aos EUA. Futuramente, quando já tivéssemos escolhido e delineado o plano de tratamento do pequeno, poderíamos então fazer uma vaquinha daquelas online, afinal nem sabíamos ainda quanto iríamos gastar para saber quanto precisaríamos pedir.
Rifa feita, bora agitar o pessoal. Distribuídas entre familiares e amigos, recebo a seguinte indagação: posso publicar no facebook? Ah, se for te ajudar a vender, pode sim, respondi. Mas não publica a conta bancária, tá bem? Por enquanto a ideia é só vender a rifa mesmo, as arrecadações vão ficar mais pra frente... Só que mais uma vez eu subestimei o alcance que a nossa história teria. Em questão de horas, o post da minha amiga já tinha tido mais compartilhamentos do que o número de rifas que ela tinha pego para vender. As mensagens não paravam de chegar de gente querendo ajudar. Minhas amigas me pediam mais e mais rifas. Mas não havia mais. Tínhamos feito apenas mil rifas com o sincero receio de nem sequer conseguir vender as mil. Mas as pessoas não querem rifas, elas querem apenas a conta para poder depositar um valor. Elas querem ajudar vocês, nos diziam. E agora, digo para esperarem a vaquinha, ou deixo publicar a conta bancária? Respectivo e eu recebemos mensagens de tanta gente querendo ajudar que começamos a ficar sem jeito de negar a ajuda. Como eu poderia dizer para uma pessoa "ah não, agora não muito obrigada, mas daqui 1 mês ou 2 eu vou precisar sim"? Resolvemos então ceder e dar as pessoas aquilo que elas há meses vinham nos pedindo, a chance de nos ajudar com o que elas podiam.
De novo estou sem palavras diante da comoção que a nossa história tomou. Nossa pequena rifa viralizou. Em menos de 24 horas atingimos praticamente metade do montante total da rifa. Quando liguei para minha mãe contando que ela precisaria me devolver as rifas que eu havia acabado de dar a ela porque já estavam vendidas, ela chorou. Se eu pudesse, abraçava cada um de vocês. Talvez num abraço eu conseguisse explicar o que eu não consigo através de palavras...
    
Muitas pessoas nos sugeriram fazer a vaquinha. Sim, nós iremos fazer. Mas ainda estamos em fase de testes. Ainda não sabemos exatamente como será e quanto custará o tratamento que escolhermos. Essas duas próximas viagens devem sanar as nossas dúvidas. E aí sim, plano traçado, poderemos fazer uma arrecadação organizada e bem explicadinha. Peço desculpas porque dessa vez foi tudo meio bagunçado, mas a generosidade das pessoas atropelou nossa singela organização. A quem já ajudou, eu, respectivo, o pequeno e a pequena somos muito gratos. A quem ainda quer ajudar, pode esperar a vaquinha (que provavelmente será lançada no mês que vem), ou, se não quiser esperar e quiser fazer uma contribuição voluntária, deixo aí embaixo os dados para depósito. O dinheiro está todo sendo depositado numa conta poupança que foi aberta especificamente para o tratamento do pequeno. Tratamento este que pretendo aos poucos ir contando aqui. Quem sabe, numa dessas, num próximo post, vocês não acabam esbarrando numa foto estampando o lindo sorriso daquele que há muito já deixou de ser o meu e já virou o nosso pequeno?!

Dados para Depósito:
Banco do Brasil
Agência 0131-7, Conta Poupança 63472-7, Variação 51
Emanuelle Tillmann Biz Meirelles
CPF 040.443.449-57

* Sobre o tratamento feito nos EUA: o pequeno esteve em tratamento na clínica Anat Baniel 
Method (www.anatbanielmethod.com/), a qual tem uma abordagem muito interessante de
estimular o cérebro através de movimentos e que segue os princípios de Moshe Feldenkrais,
mentor da Anat. Descobrimos essa metodologia no livro "O cérebro que cura", escrito por
Norman Doidge, livro este que tem nos ajudado muito por trazer uma série de tratamentos
que trabalham com a neuroplasticidade e sobre o qual eu ainda pretendo fazer uma resenha
aqui. 

quinta-feira, 13 de julho de 2017

De volta ao hospital...

UPDATES SOBRE A RIFA (19/07/2017):
Pessoal, felizmente as rifas que estavam sendo vendidas online já terminaram!! Agora só tem disponível rifa para ser comprada pessoalmente. Meus mais sinceros agradecimentos a todos que compraram, compartilharam e ajudaram a divulgar a nossa ação, foi um verdadeiro sucesso!! Estamos preparando ações futuras para ajudar o nosso pequeno, mais informações aqui.


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Não, não voltamos ao hospital. Pequeno segue bem, graças a Deus. Mas eu preciso retornar às memórias de quando o pequeno esteve internado para falar sobre dois momentos que ficaram pendentes de serem compartilhados: a gastrostomia do pequeno e a chegada da pequena.
O ano de 2017 começou, apesar dos pesares, com um pouco de otimismo. O pequeno tinha começado a interagir com a gente. Ele virava a cabeça quando chamávamos por ele, nos procurando pelo quarto do hospital. Ele reclamava com um resmungo ao colocarmos de volta na cama depois de passar um tempo no nosso colo, e também resmungava quando alguém que ele gostava ia visita-lo e se despedia na hora de ir embora. Algumas vezes também mexia a perninha quando pedíamos que ele fizesse gol. Eram movimentos lentos, às vezes dava para ver até a força que ele fazia para executar o movimento. Diferente dos reflexos, movimentos rápidos e descontrolados, começávamos a ver alguns movimentos realmente voluntários no pequeno. Ainda assim, nada que os médicos reconhecessem como sendo voluntário. Mas para nós, já não importava mais nada do que eles diziam. O pequeno já havia superado todos os prognósticos que eles haviam nos dado. Que ele não resistiria, não respiraria sozinho, não acordaria...
Ele estava pronto para ir para casa para iniciar os tratamentos de reabilitação, não havia mais nada prendendo ele ao hospital. Exceto por um detalhe: a sonda de alimentação. O pequeno ainda não estava deglutindo sozinho e dependia da sonda nasogástrica para receber alimentação. Mas ele não podia ter alta com essa sonda. Regras do hospital e do convênio, que só liberaria o homecare preenchida uma pequena condição. Era preciso fazer uma pequena cirurgia para colocar a sonda diretamente no estômago – uma gastrostomia. Nós relutamos o quanto pudemos para fazer essa cirurgia, e o fizemos por dois motivos: primeiro porque acreditávamos de todo coração que a qualquer momento ele recobraria a consciência completa, os movimentos e controle do seu corpo, sendo capaz de se alimentar sozinho. Acreditávamos que esse milagre aconteceria a qualquer dia e que nos sentiríamos péssimos por fazê-lo passar por uma cirurgia que no final das contas seria desnecessária, já que ele seria capaz de comer sem a sonda. Segundo, porque mesmo todos os médicos nos dizendo o quão simples essa cirurgia era, sabíamos que em qualquer cirurgia, por mais simples que seja, complicações podem acontecer. Esperamos o quanto nosso coração suportou esperar pelo nosso milagre, mas como haviam nos alertado sobre a importância de começar a reabilitação fora do hospital o quanto antes, acabamos cedendo.
A cirurgia foi agendada para uma terça-feira à tarde, em meados de janeiro. Naquela época, nós costumávamos checar pela frequência cardíaca se ele estava calmo ou agitado, caso em que procurávamos acalmá-lo reposicionando, trocando fralda ou simplesmente ficando junto dele. Na manhã da cirurgia, bem cedo, eu acordei e vi que ele estava agitando. Não era nem 6h da manhã ainda e respectivo dormia profundamente. Levantei-me e fui até a cama do pequeno fazer a checagem de sempre. Troquei sua fralda e sua posição na cama. Fiquei pertinho dele até que acalmasse. Logo que acalmou eu me afastei para voltar para a minha cama e dormir mais um pouco, mas não deu tempo, ele voltou a se agitar antes mesmo que saísse do lado dele. Respirei fundo e comecei todo o processo de posicioná-lo mais uma vez, enquanto silenciosamente rezava pelo nosso milagre. Você ainda pode acordá-lo nas próximas horas, antes da cirurgia, supliquei a Deus. Havia quase uma hora que eu estava naquela lida quando de repente enfermeiras entraram no quarto. Viemos levar o Arthur para prepara-lo para a cirurgia. Mas a gastro está marcada apenas para as 13h, ele vai ficar lá esse tempo todo sozinho esperando, questionei. O procedimento será adiantado, acabaram de ligar avisando que já estão aguardando ele no centro cirúrgico. Com o coração aos pulos me virei para ele, dei-lhe um beijo no seu rosto e lhe falei para não se preocupar que tudo ficaria bem. Quando fiz menção de sair da cama, ele bradiu alto, quase como num grito. Ele havia feito isso apenas uma ou outra vez, quando alguém havia forçado demais tentando dobrar sua perna ou seu braço rígidos pela espasticidade, causando dor. Mas naquele momento, eu havia tocado nele muito suavemente. Não havia explicação para a reação dele. Ou não havia explicação física. Senti no meu coração que ele devia estar com medo. Até mesmo as enfermeiras ficaram tocadas com a sua reação. Diante daquele quase grito, voltei-me mais uma vez para ele, abracei-o forte e tentei tranquiliza-lo o máximo que eu pude, quando na verdade por dentro eu também gritava querendo levá-lo embora dali para poder fugir de uma cirurgia que relutamos tanto em fazer. Assim que a maca desapareceu no corredor, eu caí de joelhos no chão e chorei.
Meu Deus, permita que corra tudo bem, que esse não tenha sido meu último momento com ele. Guia as mãos dos médicos para que essa operação transcorra da maneira mais tranquila possível. E assim em oração me mantive pelas horas seguintes, horas essas que pareceram durar uma eternidade. Não demorou e o alívio veio, a cirurgia tinha corrido bem, o pequeno estava sendo transferido da sala de recuperação para a UTI onde passaria os próximos dias até os médicos terem certeza de que ele havia se recuperado bem. A estimativa era de que ele ficasse 2 dias na UTI e, não havendo intercorrência, ele voltaria para onde o quarto para ter alta logo que tivesse se adaptado a receber a dieta pela nova sonda. Como previsto, dois dias depois da cirurgia, ele saiu da UTI para o quarto. Ele parecia bem, apesar do desconforto e da dor que eram esperados que ele sentisse num pós-cirúrgico, os quais ele demonstrava através de gemidos. Na noite de quinta-feira, eu e o respectivo nós preparávamos para ir para casa jantar e tomar banho, enquanto minha sogra ficaria cuidando do pequeno. Antes de sair, ajeitamos o pequeno na cama algumas vezes, mas ele voltava a ficar agitado toda vez que terminávamos de posicionar ele na cama. Depois da terceira tentativa e com a promessa de que o faríamos apenas mais uma vez, começamos pela última vez tentar de acalmá-lo. Foi quando ele soltou um grito forte e vimos seus batimentos cardíacos pularem de 120 bpm para 170 bpm, e dali para 180, 190, 200, 210, 220... O pequeno não parava de gritar e nós não sabíamos o que fazer. Pedimos para as enfermeiras chamarem o médico de plantão, mas o plantonista da UTI estava atendendo um parto, e indicou por telefone que apenas ministrassem um analgésico. Continuamos insistindo com as enfermeiras e então elas chamaram o plantonista do Pronto Atendimento que indicou uma lavagem intestinal. Um pouco depois o cirurgião apareceu e pediu alguns exames, os quais não indicaram nada errado. Ele sugeriu à equipe que o pequeno retornasse à UTI por precaução, mas o plantonista não achou necessário e ministrou um analgésico mais forte.
Horas se passaram e o pequeno continuava gritando, parando rapidamente por breves intervalos, sua frequência cardíaca continuava acima de 200 bpm, e nós continuávamos desesperados sabendo que algo estava muito errado. Até então, as vocalizações do pequeno eram muito suaves, resmungos baixos, gemidos, algumas reclamações e o que nós chamávamos de miadinhos. Para nós era muito claro que ele estava sentindo alguma dor muito intensa, mas os médicos pareciam discordar e diziam que ele deveria estar sentindo as dores habituais de um pós-operatório. Depois de muita insistência e briga do respectivo, conseguimos levar o pequeno de volta para UTI. Já era por volta de 2h da madrugada o que significava que o pequeno estava naquele estado há pouco mais de 5 horas. Ao menos, estando na UTI, sabíamos que estávamos melhores amparados caso o pequeno precisasse de algo urgente. Mas ainda assim não descansamos e o resto da madrugada passamos ao seu lado. Respectivo tentava fazer com que os médicos tomassem alguma atitude que ajudasse o pequeno, além dos analgésicos que haviam sido ministrados. Eu só conseguia me manter do lado da sua cama rezando. Eu confio em Ti, eu repetia sem parar. Coloca Tuas mãos sobre o pequeno e protege ele. No meu coração eu sabia, Deus não tinha salvado o pequeno para levá-lo embora agora. Eu sabia que Ele estava junto de nós, cuidando do pequeno. Às 6h da manhã eu finalmente cedi e voltei para o quarto para dormir um pouco. Pouco depois das 9h eu acordei e voltei para a UTI, com o coração cheio de esperança de que o pequeno estivesse melhor. Mas ele continuava gritando, parecendo cada vez mais frágil. Os médicos resolveram pedir novos exames, mas não havia o menor resquício de nada. Além dos gritos e da frequência cardíaca, tudo parecia normal. Lá pelo meio da tarde, o cirurgião veio ver o pequeno e então nos propôs leva-lo de volta ao centro cirúrgico para checar via câmera se encontrava a fonte da dor que o pequeno mostrava estar sentindo. Mais uma cirurgia, eu tremi por dentro. Mas não havia mais o que fazer. Concordamos então. Voltamos ao leito do pequeno para dar um beijo nele antes dele subir para o centro cirúrgico, e o encontramos dando uma pausa nos gritos. Logo que entrei chamei seu nome, ele virou o rosto na minha direção, deu um gemido alto e voltou a gritar. Foi como se fosse antes do acidente, quando ele se machucava e corria chorando para o meu colo para tentar aliviar a dor...
Com o coração em pedaços, acompanhamos o pequeno até as portas do centro cirúrgico e nos sentamos na sala de espera. Não devo demorar mais do que 40 minutos, nos disse o médico. Pouco mais de duas horas depois, nada de notícias. Mas apesar do cansaço e do desespero da noite passada, meu coração estava em paz. Eu sabia que o que quer estivesse errado com o pequeno, eles estavam consertando. Deus estava cuidando dele e não iria o abandonar logo agora. Com o passar do tempo, começar a ficar ansiosos por notícias. Fomos para perto da porta tentando ver alguém que pudesse nos dizer alguma novidade sobre o pequeno, quando de repente eu recebo uma mensagem no celular de um de nossos inúmeros companheiros da corrente de fé do pequeno, mas para os quais ainda não havíamos contado a batalha que estávamos vivendo nas últimas 24 horas: “Que venha o bálsamo e forças. Que sobre ti esteja a paz que excede todo o entendimento. Não temas! Ele é contigo. Não te assombres, Ele é o teu Deus”.  Minutos depois, o cirurgião apareceu. Havia uma ruptura no estômago do pequeno, mas nós já reparamos. Falou assim como se não fosse grande coisa e como se de fato não fosse nada nós recebemos a notícia. Mas, aos poucos, começamos a assimilar o que havíamos ouvido. O estômago do pequeno rompeu. Rompeu. E assim num baque eu entendi o tamanho da dor que ele devia estar sentindo, que o fez gritar por mais de 20 horas seguidas. Não bastava a dor da ruptura em si, ele tinha ficado todo aquele tempo com suco gástrico espalhado pela sua cavidade abdominal. E nenhum exame tinha conseguido apontar o problema. A nossa insistência e a atitude do cirurgião de leva-lo de volta ao centro cirúrgico só aconteceram porque ele não parava de gritar. Se ele não tivesse exprimido toda a sua dor, talvez a ruptura não tivesse sido descoberta a tempo de ser reparada. O médico plantonista da UTI depois nos confessou que, quando viu o pequeno no estado em que ele estava, achou que dessa vez nós o perderíamos. O que não aconteceu graças ao próprio pequeno. O meu pequeno, a quem os médicos insistiam em dizer que não tinha a menor consciência, havia salvado a própria vida.
Depois disso, os médicos se tornaram mais cautelosos com a recuperação do pequeno. Ao invés de ficar apenas dois dias na UTI, eles determinaram que ele ficaria até que a dieta fosse introduzida e que não houvesse indícios de rejeição. Esperaram pouco mais de dez dias até iniciar a introdução da dieta. O pequeno já estava bem melhor, não havia tido mais nenhum intercorrência, e tudo parecia encaminhar para a tão esperada alta hospitalar. Bastava não ter nenhum problema com a dieta. Mal sabíamos que haveria mais uma dura batalha pela frente. A introdução foi feita aos poucos, começando em 50ml em cada refeição e aumentando gradativamente conforme ele demonstrava aceitar o volume dado. Em alguns dias ele havia conseguido chegar ao volume máximo sem nenhum problema. Mas, ao final do primeiro dia que ele passou recebendo a dieta completa, os problemas recomeçaram. Taquicardia, febre, urros. Na hora em que a reação começou, ele estava recebendo uma bolsa de sangue. Os médicos tinham detectado num exame que ele estava anêmico e naquele momento ele estava recebendo a bolsa para amenizar os baixos índices constatados. Atribuíram o ocorrido a uma reação ao sangue recebido. Mas, na noite seguinte, mesmo sem receber sangue nenhum, a reação se repetiu. Exames foram feitos. Coleta de sangue, raio-x. Nada apareceu de errado. Eu me sentia presa a um episódio de seriado médico sem fim. Resolveram então deixar ele em um dia de jejum e recomeçar a dieta no outro dia. Milagrosamente ele passou o dia de jejum incrivelmente bem. Dormiu e ficou calmo como há dias não ficava. Mas, recomeçada a dieta, o problema voltou. Naquela altura do campeonato, eu e o respectivo estávamos convencidos que o problema era a dieta. Chegamos a conversar sobre o assunto com a nutricionista e pedir uma endoscopia. Mas os médicos não achavam que a causa era no estômago. Eles acreditavam que deveria ser uma infecção ou algo similar. E aí, na manhã seguinte, a fralda amanheceu cheia de sangue. Não havia mais opção a não ser realizar a endoscopia que tanto havíamos pedido. E, depois de três madrugadas enfrentando enfermeiras e médicos, e suplicando intensamente a Deus – e, confesso, uma certa revolta com Ele também –, o problema finalmente foi descoberto: o pequeno estava com uma úlcera duodenal sangrante. Agora era preciso zerar a dieta, tratar a úlcera para daí começar a pensar na adaptação da dieta novamente.
A sensação que tínhamos é que nós nunca mais deixaríamos aquela UTI. Tudo que nós queríamos era ir pra casa e começar a reabilitação do pequeno. Mas a alta dele parecia cada vez mais distante. Aquela cirurgia que tinham nos prometido tanto ser simples e de rápida recuperação, havia se transformado numa novela que já durava mais de um mês. A pequena estava cada vez mais próxima de chegar e o pequeno continuava internado. A cada dia que passava nós nos víamos diante de uma dura realidade: a pequena nasceria e nós duas teríamos alta do parto antes mesmo do pequeno deixar aquela UTI...

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Nota sobre o atual estado de saúde do pequeno: ele segue tendo pequenos ganhos. Ainda não chegou nem perto do que gostaríamos ou acreditamos que ele chegará. Depois da gastro, aliás, o pequeno nunca mais voltou a ter as interações que ele tinha começado a desenvolver no início do ano. Acreditamos que a dor intensa que ele sentiu fez com que seu cérebro criasse um certo bloqueio. As suas melhoras por enquanto se limitam a dormir melhor, ficar mais tranquilo, menos espástico, melhorar a deglutição. Levamos algum tempo para assimilar e entender o quão demorado o processo de recuperação neurológica é. Hoje nós compreendemos. Ainda acreditamos de coração que, se for da vontade de Deus, o pequeno um dia simplesmente acordará pleno. Mas mesmo na lentidão da recuperação reconhecemos a mão de Deus e os pequenos milagres do dia a dia. Às vezes eu me recordo de que um dia eu cheguei a chorar acreditando que estava diante dos últimos dias do meu pequeno e simplesmente me ajoelho agradecendo ao Pai por me permitir lutar por ele, por me mostrar de maneiras que só Deus sabe fazer que Ele continua ao nosso lado e que, não importa quanto tempo levar, o pequeno ficará bem.