segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Take responsibility for the energy you bring.

Há alguns meses atrás um amigo querido compartilhou comigo um vídeo que me impactou muito. Era a entrevista de uma neuroanatomista de Harvard, Jill Bolte Taylor, que havia sofrido um AVC, se recuperado e decidido dividir a sua experiência transformadora. Logo na primeira vez que eu assisti várias coisas que ela falava me tocaram muito e me fizeram rever muitas coisas que eu sentia e fazia em relação a tudo que estávamos vivendo. Mais do que isso, em relação a toda a minha vida. Indiquei o vídeo para algumas pessoas, mas como a entrevista é muito longa (quase 2 horas), acho que nem todo mundo se sentiu motivado a assistir. Até que dia desses eu comentei sobre a entrevista com a minha irmã e acabei despertando o interesse dela. Alguns dias depois ela me passou um feedback tão positivo e emocionado com o que ela havia assistido, que resolvi assistir o vídeo de novo, dessa vez junto com o respetivo, e também reencaminhar para várias pessoas que fazem parte ativamente do dia a dia do pequeno.
Se eu já tinha sido tocada da primeira vez, da segunda o impacto foi ainda maior. Senti uma vontade imensa de dividir com cada amigo, cada familiar, cada conhecido. Mas sabia que não era um vídeo convidativo pelo fato de ser muito longo. E foi aí que eu decidi então assistir mais uma vez e escrever a respeito dele aqui no blog, esmiuçando os pontos que mais me chamaram a atenção da entrevista toda.
Antes de começar a dissecar a entrevista, queria reforçar que continuo achando que todos deveriam assistir. O que eu vou escrever aqui é a minha impressão sobre ela e com certeza a minha visão está impregnada com a minha experiência, a minha história de vida. Cada um certamente irá tirar suas próprias lições e ensinamentos daquilo que a Jill Bolte Taylor fala. Além do mais, eu decidi escrever focada naquilo que ela expõe sobre a parte da recuperação dela e da experiência dela como alguém que sofreu uma lesão cerebral. Tem todo um outro viés da entrevista no qual ela expõe aquilo que ela levou para a vida dela depois do AVC e que todos deveriam buscar e que é simplesmente lindo e indescritível. Basta dizer que é sobre cada um de nós ser capaz de encontrar a paz interior.
Tem dois pontos principais a serem destacados que tornaram a experiência da Jill Bolte Taylor com o AVC que ela sofreu tão interessantes a ponto de virar o tema de um livro que ela escreveu ("My Stroke of Insight"): o fato dela ser uma neuroanatomista que entendia cada detalhe do que estava se passando com o cérebro dela enquanto tudo acontecia e o fato do AVC ter desligado todo o hemisfério esquerdo dela, deixando apenas o hemisfério direito do cérebro funcionando. Jill explica que o lado esquerdo do cérebro é responsável pela linguagem e o raciocínio lógico. É o nosso famoso ego. Já o direito é intuitivo, responsável pela visão macro das situações. Assim, quando teve metade do cérebro desligado, Jill perdeu completamente sua conexão com o mundo externo.
A entrevista toda valeria só pela descrição dela de como foi a experiência do AVC em si: com o lado raciocinal desligado, Jill experimentou toda a fluidez e interconectividade das suas células e moléculas do corpo, bem como do seu corpo com o meio externo. Ela teve a percepção do todo, de como ela estava em sintonia, harmonia e em conexão com esse todo. Ela sentiu como se fosse a própria extensão de Deus. Nirvana, foi a palavra usada por Jill para definir tudo que ela experimentou naquele momento. Apesar da gravidade da situação que ela estava vivendo, não havia dor, medo, angústia, mas paz. Por volta dos 16 minutos de entrevista ela explica que ela descobriu que quando uma pessoa é acometida de uma lesão e perde alguma(s) habilidade(s), ela acaba ganhando outra(s). Nas palavras dela, quando alguns circuitos são desligados, acabamos descobrindo a existência de outros circuitos que não fazíamos ideia que estavam lá. No seu caso, a habilidade que ela ganhou foi a de experimentar uma profunda paz interior. (esse assunto é retomado nos minutos 32 e 1h15). Quando perguntada pela Oprah de como ela passou a olhar para as pessoas que enfrentam sequelas de lesões cerebrais, ela responde que passou a se perguntar que habilidades essas pessoas teriam ganhado no lugar daquelas que haviam perdido.
É muito emocionante para alguém que convive com pessoas nessas condições ver ela falando de como ela percebia o mundo a sua volta. Por volta dos 36 minutos de vídeo, ela mostra de uma maneira muito delicada a percepção de uma pessoa que não é capaz de se comunicar, mas que nem por isso não sabe o que está acontecendo. Mesmo sem entender o que as pessoas falavam com ela, ela conseguia perceber quem realmente estava querendo ajudá-la e aqueles que estavam ali apenas para cumprir a sua agenda. A atitude das pessoas que cuidavam dela fazia com que ela se sentisse segura ou não, faziam com que ela sentisse que iria melhorar ou não sob os cuidados daquela pessoa. Ela queria ser tratada como semelhante, com respeito, pois sabia que a percepção de quem cuidava dela sobre a situação que ela enfrentava fazia toda a diferença. Há uma diferença muito grande quando as pessoas reconhecem que você apenas está ferido, mas torcem pela sua recuperação e fazem tudo o que podem para te ajudar. Nos 49 minutos ela reforça essa percepção clara que ela tinha da intenção do profissional e comenta que ela escolhia deliberamentre se fechar ou participar daquele momento de terapia. "Você sente quando te querem bem, seja você um bebê ou um cachorro". Isso tudo que ela fala é algo que eu sinto com tanta força com o pequeno que me deixou muito feliz de ver ela falando a respeito. Para nós é muito nítido os profissionais que cuidam dele e que acreditam na recuperação dele, e aqueles que não. Mesmo na época do hospital, nós sabíamos os médicos que estavam lá para cumprir rotina e os que torciam por ele, por nós. E isso faz muita diferença. Inclusive no tratamento médico em si. Hoje nós fazemos parte de um grupo de pais que lutam pela recuperação cerebral de seus filhos, seja por afogamento ou outra causa, e vimos tantos erros sendo cometidos com as nossas crianças. Para mim é muito claro que muitos desses erros não teriam sido cometidos se houvesse a crença na recuperação plena dos nossos pequenos. E, o que é mais triste, é raro encontrar quem acredite. 
Em seguida vem um dos pontos altos da entrevista para mim, quando ela conta o quanto ela se sentia feliz com ela mesma. Mesmo babando, incapaz de fazer a própria higiene e precisando de alguém para alimentá-la, ela ainda assim se sentia feliz. "Do meu próprio jeito, eu era perfeita, completa e linda". Ela conta que se sentia um verdadeiro milagre, afinal de contas ela havia sobrevivido. Quando seu hemisfério esquerdo foi desligado e ela perdeu a conexão com o mundo externo, o que havia dentro dela não era solidão. Era paz. Jill, como eu queria poder te abraçar por longos minutos quando você nos traz essa noção de que sim é possível ser feliz numa situação em que tantas pessoas a maioria das pessoas encara com piedade. Jill fala que geralmente quando olhamos para uma pessoa com alguma limitação, projetamos nela os nossos medos e angústias, aquilo que nós provavelmente sentiríamos se estivéssemos no lugar dela. Mas nós não estamos no lugar dela, nós não sabemos o que ela sente. E, talvez, ela esteja experimentando uma paz interior muito maior do que a que jamais seremos capazes de experimentar.
Tem uma frase, aliás, que ela fala por volta dos 36 minutos de entrevista e que eu acho que cabe muito bem aqui: "Assuma a responsabilidade pela energia que você traz para mim". Quantas vezes nós tivemos que viver situações desagradáveis em que pessoas desconhecidas vieram até nós, atraídas pela situação diferente do pequeno, nos trazendo uma energia péssima, carregada de pena. Pessoas que vem nos perguntar se ele nasceu assim ou se aconteceu depois, que vem nos contar que o primo da vizinha do fulano também tem um filho assim, que emendam um "coitadinho" em cada frase... E eu já fui crítica comigo mesma e me cobrei caridade. Caridade por quem não tem ideia do quão inconveniente atitudes assim são. Mas depois de ver pela terceira vez a entrevista da Jill, me reconheci muito nessa frase dela. Por favor, assuma responsabilidade pela energia que você traz para mim. Não traga a sua pena. Eu não sinto isso de mim mesma nem do meu filho. Se você quer sentir algo por nós, sinta fé. Nos traga fé, nos traga esperança.
Sobre a recuperação em si, uma frase que ela diz me marcou muito, quando aproximadamente aos 24 minutos de entrevista ela afirma que a recuperação era uma escolha diária que ela tinha que fazer, a escolha de passar pela agonia de toda a estimulação. Jill explica que ele sentia que tinha tão pouca energia dentro dela e que pensar consumia tanto dessa escassa fonte que ela escolhia se valia a pena ou não o esforço de tentar fazer aquilo que lhe pediam. A sobrecarga de estimulação é um ponto que ela volta a falar por volta de 1h11min de entrevista, dizendo que diante do excesso, ela podia escolher se desligar. Esse foi outro momento da entrevista importante para mim, porque é algo que eu e o respectivo estamos há algum tempo percebendo e levando em consideração nos tratamentos do pequeno. Desde que o pequeno saiu do hospital, nós já fizemos todos os tipos de terapia, passamos por períodos de excesso de estimulação e por períodos em que focamos no descanso do pequeno. E o que nós acabamos acordando entre nós é que nós apenas submeteríamos o pequeno a terapias que respeitassem os limites dele e o tempo dele. Mais importante ainda que isso, nós apenas escolheríamos terapias que não provocassem dor e desconforto ao pequeno. Desde antes de assistir a entrevista nós já havíamos chegado à conclusão de que o cérebro lesionado tende a aprender melhor quando não sofre pressão, e essa fala da entrevista só veio a confirmar isso.
Jill fala também da importância que tinha para ela o fato da sua mãe comemorar cada pequena vitória que ela tinha. Até mesmo quando ela passou a ficar menos sonolenta e passar mais horas do dia acordada, ela testemunhou a mãe ligando eufórica para amigos e familiares para compartilhar a nova conquista da filha. Quantas vezes pessoas me perguntaram como o pequeno estava evoluindo, se ele estava melhorando e eu apenas dei uma resposta vaga, sem saber explicar que sim ele estava melhorando, mas que não era a melhora que as pessoas esperavam. Ele não tinha voltado a falar, comer ou andar. As melhoras que ele tinha tido as pessoas sequer imaginavam que eram um problema na vida dele. Depois da gastro, por exemplo, pequeno passou por um período de espasticidade tão alta que ele tinha espasmos pelo corpo quase que 90% do dia. Para conseguir fazê-lo relaxar e dormir, eu e o respectivo precisávamos exercer uma pressão tão grande sobre as partes mais espásticas do seu corpinho que às vezes eu sentia que somente colocando todo o meu peso sobre ele eu daria conta do recado. E às vezes isso demorava horas. Chegamos a ficar exauridos várias noites durante horas seguidas tentando acalmá-lo. Na noite passada, acordei de madrugada para amamentar a pequena, quando fui voltar para o quarto percebi que o pequeno estava acordado. Respectivo dormia, cansado de ficar até tarde cuidando da dieta e da terapia dele que fazemos em casa. Me aproximei da cama, mudei a posição dele e fiquei por alguns minutos do seu lado fazendo cafuné na sua cabeça. Poucos minutos depois ele havia dormido. Como explicar para alguém que o fato do pequeno estar pegando no sono facilmente é uma grande vitória? Sim, o pequeno tem melhorado. Não da maneira que todo mundo espera, não dando os passos que as pessoas e até mesmo nós gostaríamos. Ainda assim, ele tem muitas vitórias a ser comemoradas.
Pouco depois da metade da entrevista (1h01min), Jill fala em como foi importante para ela a liberdade que lhe foi dada para ser uma pessoa nova. Não havia pressão para que ela voltasse a ser a Jill de antes do AVC. Deixaram-na ser livre para ela ser quem era agora. Havia sim a expectativa de que ela se recuperasse completamente, mas recuperar tudo sendo uma pessoa nova. No final das contas, depois de recuperada (a recuperação dela levou por volta de 7 anos), os amigos diziam a ela que ela continuava sendo a mesma. Mas ela não se sentia mais a mesma. Talvez ela fosse ainda a antiga Jill, mas com novas habilidades. Ela havia voltado a ser ela mesma, mas diferente. Para mim durante muito tempo foi difícil admitir que o pequeno poderia não voltar a ser exatamente o mesmo pequeno que ele era antes. Porque para mim ele sempre foi incrível e não tinha como ele ser melhor do que ele era. E talvez, mesmo sem expressar verbal e claramente, eu não tenha lhe dado a liberdade dele ser um novo pequeno depois do acidente. Ver a Jill falar sobre isso me fez entender que dificilmente ele voltará ser o pequeno que era, afinal como passar por uma experiência dessas sem mudar? Eu já mudei tanto desde o acidente que só isso basta para que ele não seja o mesmo. Mas porque isso tem que ser necessariamente ruim? Muito pelo contrário. Um novo pequeno, sendo o pequeno que era mas como novas habilidades e experiências, tende a ser muito melhor do que como ele era antes do acidente.
Oprah finaliza a entrevista com Jill citando uma passagem do livro em que ela aponta as 40 coisas que ela precisava durante o período de recuperação dela. Segue as que foram citadas na entrevista:
- Queria que soubessem que eu não era burra, só estava ferida;
- Repita;
- Não presuma que eu não saiba nada;
- Comece do início quantas vezes necessário;
- Ensine-me pela 20a vez com a mesma paciência da 1a;
- Aproxime-se de coração aberto e abaixe a sua energia;
- Nada de pressa;
- Venha e me dê amor;
- Cuidado com o que a sua linguagem corporal e expressão facial estão me comunicando;
- Olhe-me no olho pois estou aqui dentro;
- Incentive-me;
- Por favor não erga a sua voz, não sou surda, apenas estou machucada;
- Toque-me apropriadamente e conecte-se comigo;
- Me faça perguntas com respostas objetivas e me dê tempo para responder;
- Trate-me gentilmente como faria com um recém-nascido;
- Fale diretamente comigo, não com os outros a meu respeito;
- Anime-me, preciso de incentivo;
- Espere e torça pela minha recuperação, ainda que leve 20 anos.

Eu sinceramente acho que todas as pessoas deste planeta deveriam assistir essa entrevista, porque, fora toda essa parte voltada para a lesão e a recuperação, ela fala de algo tão importante e tão raro: da capacidade que cada um de nós tem de alcançar a paz interior. E ao falar dessa profunda paz interior que ela experimentou, Jill insiste na importância de dominar os pensamentos, saber que nós não somos aquilo que pensamos e que temos poder sobre a nossa mente, da mesma maneira como ela aponta que viver o agora é um passo essencial para encontrar essa paz.
Faz pouco mais de 1 ano que eu tenho vivido esperando o dia de amanhã, esperando o dia que o pequeno estará pleno de novo. Mas essa entrevista me despertou para a importância de saber que é possível ser feliz agora, não apenas quando tudo isso tiver passado. Eu sempre tive o propósito de dividir tudo que temos feito com o pequeno nesse caminho da recuperação para ajudar outras pessoas que tenham interesse. Mas acho que eu fiquei todo esse tempo esperando que ele melhorasse para compartilhar essas informações. Depois de assistir a entrevista pela terceira vez, eu decidi que queria fazer isso agora. Eu quero viver e compartilhar o agora. Quero vibrar com cada pequena conquista não sozinha ou com os mais próximos, mas com todos aqueles que nos acompanham mesmo sem nem nos conhecer. Mas como manter o blog atualizado me demanda muito tempo e dedicação, eu decidi fazer isso de uma maneira mais simples, usando a conta do instagram que eu já tinha criado para o pequeno antes do acidente. Espero conseguir postar muito mais da nossa rotina, das terapias que o pequeno faz, de toda a informação que puder ajudar quem quer que seja. Até porque, no fundo, acho que toda essa informação compartilhada vai acabar ajudando muito mais a mim mesma do que qualquer um de vocês. 

4 comentários:

  1. Chorei muito com este seu post, meu pai teve um AVC em 2015, ficou hospitalizado 42 dias e faleceu. Não tive a oportunidade de vê-lo melhorar, mas como rezei por isso. A vida é uma benção, seja ela como for. Vc está sendo iluminada para essa jornada que está vivendo. Vcs estão nas minhas orações.

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  2. Muito obrigada por dividir isso! Que o pequeno continue com sua evolução! Fiquem com Deus!

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  3. Maravilhoso. Obrigada! Qual é o instagram do pequeno?

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